29 de março de 2017

Um viajante gay pela Namíbia, na África

Nesse verão eu decidi fazer algo de diferente. E não foi ficar na minha casa, na minha piscina tomando um bons drinks. Até porque nem piscina eu tenho! Mas o que eu fiz valeu mais que uns bons drinks. Eu aproveitei uma promoção de passagens destruidora da companhia aérea angola TAAG e fui pra Namíbia, meu primeiro país da África.

E, vou ser sincero, eu não sabia absolutamente nada sobre a Namíbia. Sabia que era na África. E só! Numa pesquisa rápida, vi que ficava logo acima da África do Sul e já comecei a pirar nas paisagens muito loucas que encontrei. “Pô, eu vou pra África!” era só o que eu pensava a cada 7 segundos. Nos intervalos eu ainda soltava um “Uau”, um “caramba” ou um “não creio”, quando não saíam palavrões. Sempre sonhei em conhecer a África e agora eu ia pra lá por só R$ 414, mais barato do que pra outros pontos do Brasil!

Lewa, a leopardo fêmea da AfriCat Foundation, na Namíbia

Lewa, a leopardo fêmea da AfriCat Foundation, na Namíbia

 

A questão LGBT na Namíbia

Depois de pesquisar um tanto, montar o roteiro e finalmente embarcar, comecei a me questionar um pouco tardiamente se eu, gay, seria bem aceito lá. Calma, não fui totalmente displicente, dei uma pesquisada rápida e encontrei o seguinte sobre leis referente às questões LGBT na Namíbia:

RECONHECIMENTO: não tem.

PROTEÇÃO: tem presença de instituição nacional de Direitos Humanos que inclui orientação sexual em seu trabalho.

CRIMINALIZAÇÃO: a relação entre homens é ilegal e a condenação é por sodomia, sem sentença definida. Não há informação sobre relações entre mulheres.

Selfie no Etosha National Park, na Namíbia

Selfie no Etosha National Park, na Namíbia

Continuei a busca e consegui até o contato de uma brasileira que morou em outros cantos da África e namorou um cara da Namíbia, que é guia, por um tempo. Ela me contou que eles têm uma sociedade bastante machista, mas que dificilmente um turista gay teria problemas. Já se fosse um local, a coisa era um pouco diferente.

Olha só que bizarro: se você mora na Namíbia, não é bem visto que você seja gay. Maaassssss, se você sair à noite para uma festa ou algo assim, é aceitável que você beije um outro cara, transe com ele e tudo mais. Só que no dia seguinte, baby, nada aconteceu. Você faz a louca e finge que nem conhece o boy. Loucura, né?

 

A expectativa da minha viagem pra Namíbia sendo gay

Pra contextualizar, eu estava indo viajar com o Rafa, um amigo meu muito próximo, que é hétero e tem o blog Seu Mochilão. Iríamos desbravar a Namíbia por 9 dias e, durante o planejamento da viagem, consideramos contratar o guia, namorado da brasileira com quem conversei, pra que tivéssemos uma experiência local em cada ponto de parada. Me peguei considerando se teria a liberdade de mostrar quem eu sou na presença do cara ou não.

No píer de Swakopmund, na Namíbia

No píer de Swakopmund, na Namíbia

Poxa, eu sou blogayro, tenho que registrar toda a viagem, explicar depois pra vocês como funcionam as coisas por lá e, muitas vezes, pergunto aos locais como é que rola. Mas será que eu poderia fazer isso com esse cara? Será que eu me colocaria em risco sendo assumidamente gay em um país sem leis proteção e com certa criminalização da homossexualidade? Pior, será que eu colocaria em risco o Rafa, que mesmo sendo hétero poderia acabar sofrendo homofobia junto comigo se o cara suspeitasse que éramos um casal ou coisa assim? Mas, antes de eu chegar a uma conclusão, o cara deu pra trás, poucos dias antes da viagem.

Acabamos decidindo pela nossa vontade inicial, alugamos um carro e percorremos a Namíbia toda por conta própria. Veja em detalhes o nosso roteiro, que acabou sendo surpreendente.

Gravuras rupestres de Twyfelfontein, na Namíbia

Gravuras rupestres de Twyfelfontein, na Namíbia

 

Namíbia: a realidade de um viajante gay

Poucos dias antes da viagem, acabei tendo contato com o Gustavo, um viajante nômade que já passou por mais de 100 países, é piloto de avião, também gay, que tem um blog e que está agora na Índia, então acompanhe a eterna viagem dele pelo Instagram. Ele também ia para a Namíbia com seu parceiro e descobrimos que estaríamos no mesmo voo. Durante a conexão, no aeroporto de Luanda, na Angola, ele me contou que no blog e nas redes sociais ele usa um apelido, pra que não seja fácil de descobrirem que ele é gay na imigração de países homofóbicos e onde é crime ser LGBT.

Pulando na estrada até Skeleton Coast, onde as dunas encontram com o oceano, na Namíbia

Pulando na estrada até Skeleton Coast, onde as dunas encontram com o oceano, na Namíbia

Outra preocupação dele é apagar qualquer rastro de fotos que possam ser comprometedoras, como mão dadas com o namorado, do celular e do computador, caso decidam olhar. E contou, ainda, que quase chegou a ser preso uma vez no Uzbequistão por terem descoberto depois de um “vacilo”. Ele passou a noite detido, mas foi solto de manhã. Que barra!

Não foi o caso na Namíbia. Ainda bem, porque não era muito difícil de descobrir esses vestígios no meu celular ou computador com todo material do Viaja Bi! neles, além das redes sociais conectadas, né? Ufa!

Moço passeando peladão na Namíbia #MandaNudes

Moço passeando peladão na Namíbia #MandaNudes

Chegando à Namíbia, encontramos outros dois amigos deles, também gays, um voltando da África do Sul e outro da Austrália. Eles se juntariam ao grupo pra explorar o território namibiano. No fim, acabou que quem fez safári foi o Rafa, afinal era um hétero no habitat natural dos viados!

Brincadeiras à parte, no fim das contas, o Rafa-hétero e eu passamos três dias com os meninos na Namíbia e tivemos algumas situações onde os locais provavelmente notaram que alguns de nós éramos gays. E não tivemos problema nenhum. Com eles, passamos por pontos bem turísticos como o maravilhoso Etosha National Park (site), um parque nacional gigantesco com muitos animais pra ver de perto, e a AfriCat Foundation (site), uma fundação que cuida do resgate de animais selvagens que tiveram, por exemplo, seus pais mortos por fazendeiros. Visitamos a Lewa, uma leopardo fêmea lindíssima por lá. Lindíssimo era também o guia. Imagina esse bofe escândalo guiando um grupo de gays ouriçadas com 3 héteros perdidos no meio. Foi, no mínimo, bastante divertido.

O AfriCat, por ser turístico e ter um resort de alto padrão acoplado, têm um atendimento de padrão internacional e super friendly, pelo menos foi o que senti. Já no Etosha, a gente fez self-drive, ou seja, dirigimos nossos próprios carros (alugados) pelo parque, então o contato com humanos nesses dois dias foi bem reduzido. Senti no posto de gasolina da entrada do parque (Namutoni) e do camping onde passamos a noite (Halali Camp), alguns olhares estranhos, mas não sei se foi pela questão LGBT. Eu diria que não.

Na pequena cidade de Outjo, ainda com os meninos, tivemos contato com o pessoal do restaurante onde almoçamos e da loja de souvenirs. Mas também correu tudo na paz, não tenho o que dizer não. Ainda bem, né? 🙂

Mulheres e crianças da Tribo Himba, uma das experiências mais inesquecíveis da viagem à Namíbia

Mulheres e crianças da Tribo Himba, uma das experiências mais inesquecíveis da viagem à Namíbia

Ali nos separamos e nos demais dias, eu e o Rafa passamos pela tribo Himba, pelas gravuras rupestres de Twyfelfontein, dirigimos pelo Deserto da Namíbia até a Skeleton Coast, dormimos na capital namibiana da aventura e esportes radicais, Swakopmund, atolamos o carro a caminho das incríveis dunas de Sossusvlei e voltamos pra capital, Windhoek, para voltar pra casa.

Veja o roteiro completo e detalhado dessa aventura.

Posando nas árvores de Deadvlei, ao lado das dunas de Sossusvlei, na Namíbia

Posando nas árvores de Deadvlei, ao lado das dunas de Sossusvlei, na Namíbia

Namíbia tem uma baixa densidade populacional. São só 2 milhões de habitantes num território de mais de 825 mil km², ou seja, são 2,2 habitantes por km². Então, na maior parte do trajeto, era só nós dois no carro, com pouca gente cruzando nosso caminho e em pontos turísticos.

Os contatos que tive foram muito rasos pra eu conseguir avaliar se há homofobia ou não.

 

Conclusão: é seguro um gay viajar pra Namíbia?

Super é! Como eu falei, a maior parte da viagem, você vai passar no carro, em paisagens desérticas ou em pontos turísticos, caso faça o mesmo roteiro que a gente. Se fizer os passeios e safáris com agências, acho difícil que você tenha problemas, mas melhor ir pelas mais conhecidas, como a Chameleon ou a Wild Dog, por garantia

A minha recomendação é que, como não é um país com leis de proteção aos LGBTs e que considera errado ser gay, você tome cuidado ao se expor e vá sentindo o clima aos poucos. Mas, bi, a viagem é formidável! Sei que você pode se sentir receosx depois de ler esses vários pormenores, mas não escrevi, de forma alguma, pra te desanimar. Foi um dos lugares mais sensacionais que já visitei na vida. Em beleza natural, tá pau a pau com o Deserto do Atacama, mas me ganhou pelos grandes animais.

Springboks, os veadinhos da Namíbia, perto das dunas de Sossusvlei

Springboks, os veadinhos da Namíbia, perto das dunas de Sossusvlei

É um país de muita diversidade natural, com dunas antigas encontrando oceano, deserto invadindo cidades abandonadas, colônia de focas, pedras com gravuras rupestres, muito verde em parque nacional, girafas olhando pra você do alto do morro no meio da estrada, bebê elefante sendo ajudado a sair da lama pela família adulta e muito mais. A paisagem muda a cada curva e talvez você passe pelo momento que eu passei, de parar o carro no meio da estrada, olhar pra uma paisagem surrealmente linda e se emocionar ao ponto de chorar. A viagem vale MUITO a pena!

Segura a marimba e vai!

 

 

O blogueiro viajou com apoio da GTA Assist. A viagem faz parte do projeto Mochiláfrica.

 

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Sobre Rafael Leick

Rafael Leick

Criador dos projetos Viaja Bi!, Viagem Primata e ExploraSampa, host do podcast Casa na Árvore e colunista do UOL. Foi Diretor de Turismo da Câmara LGBT do Brasil. Escreve sobre viagem e turismo desde 2009. Comunicólogo, publicitário, criador de conteúdo e palestrante internacional, morou em Londres e São Paulo e já conheceu 30 países. É pai do Lupin, um golden dog. Todos os posts do Rafael.

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11 Comentários

  • Bruno
    2017-03-29 18:29

    Show……

  • Morenise Puperi
    2017-03-30 08:40

    Parabéns pelo relato, muito bem escrito! Difícil encontrar algo tão bem formatado, com uma linguagem que flui, interessante, descrevendo com precisão os lugares visitados… Adorei! Uma narrativa leve e livre de preconceitos. Sucesso para você! Vou seguir no Facebook. Abraço!

    • Rafael Leick
      2017-03-30 22:16

      Oi, Morenise. Que delícia ler seu comentário. Faz um afago na alma. 🙂 Sempre me dedico muito pra escrever e é ótimo ter feedback, normalmente ele não acontece rs
      Brigadão, seja bem-vindx e volte sempre rs Bejocas!

  • RODRIGO FERNANDES
    2017-03-31 19:41

    Fui na Namíbia e voltei ao ler teu relato, Rafael! Ri também com ele. Parabéns!
    Também aproveitei a mega promo da TAAG e com medo de não encontrar mais assentos disponíveis, em uma rápida busca optei pela Cidade do Cabo. Não me arrependi, mas se fosse para Namíbia, acredito que iria aproveitar da mesma forma.
    Que bom que não aconteceu nada de ruim contigo pelo fato de ser “bi”. Fiquei pensando com meus botões, pq tanta raiva das gays? A resposta a gente sabe, mas n desce.
    P.S. Que peladão maravilindo é esse caminhando pelo deserto! Tomei um delicioso choque ao ver a iBagem.
    Kisses! :*

    • Rafael Leick
      2017-04-01 21:56

      ME DÊ IBAGENS!!! rs
      Valeu pelo comentário e pelo elogio, Rodrigo! 😉 Sempre bom receber um retorno sobre meu trabalho. A sua viagem pra Cidade do Cabo já foi? Espero que tenha curtido lá! Infelizmente, essa raiva existe, mas precisamos ir, com o tempo, aos poucos, tornando a coisa mais e mais natural.
      Sobre o peladão, é um dos meninos que estava no grupo com a gente rs Gostou, né? hahaha

      • RODRIGO FERNANDES
        2017-04-02 00:25

        Datena forever! rs.
        Já voltei sim. Sou o mesmo Rodrigo (rs) que te respondeu nesse vídeo do seu canal: https://www.youtube.com/watch?v=r6NLI9i4SXQ&lc=z12wsd2rfm3sdbrp204cefbabzebwrqggg0.1490934705787325
        Te acompanhando nas mais diversas mídias. o/
        Sobre a questão da “raiva” concordo em gênero, número e grau com o q c escreveu acima.
        Em relação ao peladão, que sorte a sua tê-lo como amigo! Invejinha santa de você. rs

        • Rafael Leick
          2017-04-02 00:48

          Oie! Agora que liguei o nome à pessoa rs Você não curtiu muito Cidade do Cabo no sentido gay da coisa, né? O Clovis, colunista aqui do Viaja Bi! escreveu sobre Cape Town aqui nesse post. Aguardo seus comentários lá também! 🙂
          Obrigado por acompanhar o VB em todas as mídias. Contarei sempre com seus comentários pra dar aquele ânimo! 😉
          bjs

  • Fabia Fuzeti
    2017-04-02 05:32

    Que relato legal Rafa! Ficamos com vontade de ir. As fotos tão lindas. Gente, vcs acabaram reunindo muitas gays por lá!

    • Rafael Leick
      2017-04-02 05:40

      Pois é, gata, foi tipo um safári gay sem querer. Fiquei com pena do Rafa rs
      Brigado pelo elogio às fotos. O país é sensacional. Se tiverem oportunidade, não deixem de ir! 😉

  • Felipe Martins
    2018-03-16 13:49

    Só senti falta no texto sobre a vida urbana no país. Acho que mesmo sem a intenção reforça aquele estereótipo de que África é só selva. Vc não fez nada na capital? Não foi a mercados ? Shopping ? É um blog Gay. Não procurou saber se existe vida gay na capital mesmo que clandestina?

    Faltou esse tempero no texto ( ou talvez na viagem).

    Beijos

    • Rafael Leick
      2018-03-16 17:47

      Oi, Felipe, tudo bem? Obrigado pelo comentário e pela sugestão. Eu tive somente oito dias para explorar o país nesse roteiro e realmente tive pouquíssimo tempo em centros urbanos. Mesmo as maiores cidades lá são muito pequenas. Fui pra Windhoek e Swakopmund. Fui ao mercado e a um bar turístico, sim, mas nenhuma notícia sobre a vida gay. Pelo que apurei a sociedade é muito machista, então até pode acontecer de um cara transar com outro à noite, mas de manhã todos fingem que nada aconteceu. Sobre a noite gay realmente tive pouco tempo lá para explorar.
      Mas no post falei bastante sobre a questão LGBT no país e como ela permeou minha viagem. Esse é um blog de um viajante que é gay, seja para lugares gays ou não. 🙂
      Não reforcei esteriótipo, eu só contei como foi minha viagem. A Namíbia é realmente mais “selvagem” que os demais países fora das duas principais cidades. Ela é mais deserta. E mesmo assim, super desenvolvida. Mas não é um país de grandes centros urbanos. Não é a pegada dessa viagem. De qualquer forma, algumas dessas informações também estão em outro blog meu, que está linkado no texto (esse link).
      De qualquer maneira, obrigado pelo comentário e ainda escreverei outros posts sobre a Namíbia por aqui.
      Beijos!

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