Comida de avião: como é preparada? | Bastidores da Aviação
Na semana passada eu tive uma das experiências mais interessantes que já tive relacionada ao mundo da aviação. A KLM, companhia aérea holandesa por quem tenho paixão (mesmo nunca tendo voado com ela) e a mais antiga em atividade no mundo (em outubro, completa 100 anos), me convidou para saber como a comida de avião é preparada.
Na estreia da série Bastidores da Aviação aqui no blog, embarquei numa van com o pessoal da KLM até o aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Na verdade, a parada foi um pouquinho antes dos terminais de passageiros do GRU Airport, ainda perto do emblemático Hotel Pullman Guarulhos Airport.
É lá que fica a empresa alemã LSG Sky Chefs, responsável pela produção e preparação de toneladas de comida de avião para diversas companhias aéreas no mundo todo, incluindo a KLM, que presenteou um pequeno grupo de blogueiros e jornalistas com essa experiência inesquecível de explorar como a comida de avião é preparada e de experimentar em primeira mão os pratos de bordo de seus voos. Já adianto que eles fazem a gente rever o conceito de “comida de avião” que tínhamos até agora.
A entrada na LSG Sky Chefs não é aberta ao público e é duplamente restrita, já que é um local de preparação de alimentos e também porque dá acesso direto às pistas do aeroporto. Há preenchimento de ficha, revista de bolsas e mochilas, detectores de metais, sapatos apropriados, jaleco, toca e até um protetor de barba, que me deixou muito gato #sqn, mas essa parte do figurino conto melhor daqui a pouco.
Experiência nordestina a caminho de Amsterdam
A 1ª parte desse dia memorável foi um almoço mais do que especial. Uma ante-sala já tinha um pão de queijo muito delicioso, lanchinhos, petiscos e bebidas para nos recepcionar. A segunda sala, com duas mesas redondas decoradas com os saleiros/pimenteiros em forma de tamanco holandês que a KLM serve em sua Classe Executiva (World Business Class), tinha uma parede adesivada com um avião da companhia que dava a impressão de estarmos olhando para a pista do aeroporto de uma “Sala VIP”, onde tomamos um chá gelado de frutas vermelhas.
Também tinha um trolley, aqueles carrinhos que os comissários de bordo usam pra servir nossa comida de avião nos voos, adesivado com louça holandesa, e uma cozinha aberta, onde nossa comida estava sendo preparada… sabe por quem? A KLM convidou Rodrigo Oliveira, dono e chef do restaurante Mocotó, para preparar nossos pratos. A escolha não foi ao acaso.
Rodrigo chega ao 6º ano de parceria com a KLM, sendo essa a mais longa parceria entre uma companhia aérea e um chef no mundo todo e tendo sido servidas mais de 1 milhão de refeições do Rodrigo a bordo dos voos diários que saem de São Paulo e Rio de Janeiro para Amsterdam, de acordo com Seth van Straten, diretor comercial do grupo Air France-KLM para a América do Sul. A companhia ainda tem 4 voos semanais saindo de Fortaleza para Amsterdam e conexões em todo continente europeu.
O Mocotó virou uma febre anos atrás por trazer pratos típicos do sertão nordestino e ingredientes bem brasileiros para o patamar de gastronomia refinada na capital paulista. O restaurante impressionou por ter filas de espera gigantescas, mesmo sendo bem afastado do centro da cidade.
“A gente costumava dizer que o céu era o limite… bom, agora não é mais”, disse Rodrigo durante o almoço, após apresentar em detalhes todos os pratos pra gente à medida que eram servidos. O chef também contou que uma das exigências que fez à KLM para trabalharem juntos foi que os pratos fossem desenvolvidos para todas as classes de voo, incluindo a Econômica, para que fizesse sentido com a proposta inclusiva de seu restaurante.
O cardápio da World Business Class (Classe Executiva) é renovado a cada 3 meses e o da Economy Class (Classe Econômica) a cada semestre e o menu que experimentamos começou a ser servido nos voos em março de 2019 e vai até o fim de maio, quando é renovado.
A entrada do nosso almoço, da Executiva, foi um salpicão de macarrão com siri, vegetais, lascas de coco crocante com pimenta biquinho, azeite de salsinha e mix de minifolhas.
Eu não como peixe e frutos do mar, mas provei e posso afirmar com segurança que, quem gosta, vai amar. Mesmo pra quem evita, como eu, o gosto do siri é brando.
O prato principal veio da Econômica e seria um sonho que todos os pratos da Econômica fossem como esse. Comi um atolado de frango com arroz da horta, abobrinha, mandioquinha e tomate cereja. Estava uma delícia.
A Amanda Noventa, do blog Amanda Viaja, me contou que na sua última experiência viajando na Econômica da KLM, em voo diurno, não parou de comer. Além dos pratos deliciosos, tinha snack de pizza e sorvete, muito sorvete. Já quero viajar com eles, sim ou com certeza?
A sobremesa, uma cocada mole com mix de castanhas e coco, também veio da Executiva e, por dica do próprio Rodrigo, é uma combinação perfeita com um cafezinho.
Tenho que concordar.
Bastidores da comida de avião
Depois desse momento gastronômico incrível, nos preparamos para entrar na linha de produção da LSG Sky Chefs, guiado pela Keila Cordeiro, uma funcionária LSG que está há 15 anos na empresa e é apaixonadíssima pelo que faz. Essa paixão nos contagiou junto com a fofura em pessoa.
Nosso figurino mudou. Tivemos que vestir um jaleco branco e uma toca vermelha descartáveis e um sapato de borracha tipo Crocs estiloso. Muito lindo fiquei. Pra completar o look, recebi uma máscara de barba e tive que tirar meus brincos antes de entrar na fábrica. As meninas com esmaltes, tiveram que colocar uma luva. Ah! Fotos e vídeos são estritamente proibidos, então não consigo mostrar muita coisa em imagens, mas vou tentar sem bem descritivo no texto, pra que vocês possam realmente conhecer como funciona.
A primeira parada foi uma barreira sanitária, onde lavamos as mãos, aprendemos que alguns alimentos não podem ser usados, como o tomate cereja, por conta de larvas, e vimos todos os processos burocráticos que garantem a segurança e higiene dos alimentos servidos no voo. Todos os processos são documentados a cada passo, para que, caso algum passageiro reclame que passou mal por conta da comida, eles possam refazer todo o caminho inverso, emitir um relatório para a companhia e mostrar que todos os procedimentos corretos foram feitos da chegada da matéria-prima até a entrega na aeronave.
Depois de higienizados, entramos na parte das câmaras frias, onde os alimentos perecíveis ficam armazenados. Na porta, a LSG tem o cuidado extra de colocar uma tabela nutricional pra mostrar pra quais restrições alimentares o alimento X ou Y é indicado. Logo em seguida, fomos para o almoxarifado, que tem corredores de entrada, mais largos, e de saída, mais estreitos para que a máquina que traz os pallets não consiga entrar, evitando um ocasional erro humano em sua comida de avião.
As prateleiras são todas azuis, com exceção de algumas laranjas, específicas de uma companhia aérea britânica, por exemplo, que exige da LSG um preparo especial para algumas restrições alimentares. Um outro corredor guarda elementos específicos para uma companhia chinesa, por conta de seus ingredientes. Tudo organizadinho e com as tabelas de restrições bem visíveis. Esse é o destino final das caixas de papelão, que carregam bactérias e sujeira. Ali as “miscelâneas”, como queijo Polenguinho, por exemplo, são transferidos para recipientes plásticos e esses vão para a produção.
Dali vamos para um corredor que bifurca para dois “corações” da produção. Começamos pelo da direita, onde panelões gigantescos industriais preparavam os mais diversos tipos de carne. A recente reforma trocou os antigos panelões por esses quadrados, super modernos, que exigem menos trabalho braçal dos funcionários e limita o contato com a com a comida.
Logo em seguida, uma linha de produção de omeletes. São produzidos mais de 2 mil omeletes por dia, com diversos recheios. Ao lado de mais panelões, um forno inteligente que calcula a temperatura geocêntrica, evitando que o alimento fique cru por dentro e avisa até quando está sujo e precisa ser limpo. Comida de avião é coisa mais séria do que você achava, né?
Caminhando um pouco, outro funcionário, James, explicou pra gente como funcionam os blast chillers, refrigeradores que derrubam rapidamente a temperatura de alimentos para adormecer as bactérias que naturalmente estão presentes em tudo que comemos. Nada entra ali abaixo de 63ºC, senão o efeito é nulo. Em 40 minutos, uma sopa pode estar pronta para o preparo da bandeja, depois de entrar no blast.
Depois, conhecemos a parte que mais amo, confeitaria. Produção em massa de quindim, de uma placa de torta de chocolate, panquecas, entre outros. Uma máquina pasteurizadora adquirida recentemente pela Sky Chefs (e que custa cerca de R$ 250 mil) é mágica. Você põe os ingredientes, ela prepara e já pasteuriza, eliminando a necessidade de os doces irem para a blast chiller, por exemplo. Eles estavam, na hora, preparando ganache de chocolate. O cheiro era uma coisa louca.
E cheiro foi o mais impactante na próxima área, a padaria. Toda panificação é feita ali, do zero. É farinha pra todo lado e massas muito compridas que geram pães de forma, torradas, pão francês, pão de queijo e salgados. Uma sala separada é dedicada somente aos croissants, característicos da Air France, companhia irmã da KLM, entre outras. É separada porque é mais geladinha, já que os croissants precisam de uma temperatura mais baixa para ter sua consistência.
Perto dos fornos giratórios da padaria, descobrimos que, além de comida de avião, toda a panificação da Starbucks, incluindo o famoso cinnamon roll (rolo de canela) é produzida ali pela LSG Sky Chefs. E o cheiro desse lugar, já comentei?
Dali, voltamos para o corredor que liga os dois “corações” da produção. De um lado do corredor, tinha a parte de açougue, com todas as carnes e peixes, e uma área dedicada a queijos, que tem uma máquina que corta 2 mil fatias de queijo por minuto. É mole? Do outro lado do corredor, a produção da comida de avião para Classe Executiva e Primeira Classe. Só phynesse! Essas, vimos através dos vidros mesmo.
No fim do corredor, o lado esquerdo era reservado para vegetais e o lado direito era surreal. Uma linha de produção gigante, com várias células de montagem de bandejas. Lembra dos blast chillers, os refrigeradores?
Eles também servem como um “almoxarifado” gelado das comidas prontas para montagem e têm uma outra porta de saída, direto para essa área. Assim, depois de entrar no blast, não volta para a temperatura da outra sala, que é mais quente. Muito inteligente, né?
Dali, os ingredientes vão para cada estação, que já tem as louças e trolleys cedidos pelas companhias e vai montando os pratos que vão para a bandeja, aquela que você recebe no avião. Como o voo da KLM saía à noite, os trolleys foram montados ainda antes do nosso almoço, então eles já estavam numa área de espera, bastante gelada.
Lá, eles ficam aguardando a passagem de um(a) fiscal de segurança (lembrem-se que todas as pontas de segurança para um voo devem ser checadas antes do embarque), que vai verificar se está tudo certinho, se não tem nada estranho dentro dos trolleys e lacrar cada um deles.
Nessa área, pedi pra Keila tirar umas fotos pra mim dos trolleys pra que eu pudesse mostrar pra vocês essa etapa quase final de armazenamento. Foi muito rápido, mas ela conseguiu alguns cliques pra vocês. Keila, brigadão! 😉
A próxima parada foi tipo um estacionamento de trolleys, separados por companhia aérea. Depois de chegarem dos voos, eles são lavados e ficam nessa área antes de ir pra linha de produção. Essa área é integrada com a área de lavagem, que eles consideram uma área “contaminada”, porque aqui chegam os trolleys dos voos, incluindo os de fora do país, então eles recebem “lixo internacional” e têm que higienizar tudo.
Isso acontece numas lava-louças tamanho gigantesco com água a 90ºC, o que esteriliza tudo. Por lá passam as louças das companhias aéreas e os trolleys. Isso quase nunca acontece, segundo a Keila, mas se vier no trolley de comida uma latinha de refrigerante ou suco, por exemplo, eles jogam fora. Pensa, não dá pra eles passarem a latinha ali na máquina a 90ºC. Então, tem que ir pro descarte mesmo.
As louças são cedidas pelas companhias aéreas e são mantidas pela Sky Chefs. E eles atualizam, por sistema, todo o estoque, então a KLM, lá na Holanda, sabe exatamente quantos pratinhos ou talheres a Sky Chefs tem em sua posse aqui no Brasil. Falando em talheres, é nessa parte também, numa sala separada, que eles fazem a montagem dos talheres, de acordo com o estilo de cada companhia, depois de esterilizados.
Do “estacionamento de trolleys” sai um corredor e, do lado esquerdo, fica a montagem de sanduíches especiais para uma companhia aérea nacional que anda só me decepcionando (quem acompanha o blog já sabe qual é) e, do lado esquerdo fica a porta de saída daquela “sala de espera” dos trolleys. Quando estão já lacrados, eles saem por essa porta, passam pelo balcão de atendimento ao cliente e seguem para a plataforma de carregamento.
Os caminhões encostam ali, são carregados e levam os trolleys para a aeronave. Chegando na pista, o contêiner é içado até a altura da aeronave para carregá-la. E tem vários procedimentos que eles devem seguir nesse momento. Na plataforma de carregamento, tem todas essas instruções na parede junto com casos a serem evitados (como o de uma concorrente que subiu o contêiner e arrancou a porta da aeronave ou de outro que caiu em cima da asa). Nesse caso, as companhias de catering, como a Sky Chefs, devem arcar com os custos, tanto de reparo da aeronave quanto tempo de pista, realocação de passageiros etc.. Por isso, o cuidado é redobrado.
Voltando pelo corredor para o “estacionamento de trolleys”, passamos por uma outra barreira sanitária para chegar na parte administrativa, onde vários gerentes de conta, como a Keila, são responsáveis pelas operações das companhias aéreas. Cada companhia tem uma pessoa que vai cuidar dos seus processos dentro da LSG.
Um outro corredor, leva ao terceiro “coração” da planta passando, no caminho, pelo refeitório dos funcionários e por um auditório de treinamento. Essa última parte é um estoque de produtos como água, vinho, suco e outros industrializados. Fomos conhecer o da KLM, que ocupa um lado inteiro de um dos corredores e tem, no final, um pote de ouro pra quem gosta de Heineken, outra marca holandesa. Fardos e fardos da cerveja ficam armazenados antes da montagem desses outros trolleys de bebidas.
Essa área tinha mais de 240m², teve seu tamanho reduzido para pouco mais de 30m² em uma reformulação proposta por um funcionário da empresa, num case de sucesso. Foi isso que permitiu a criação do auditório, por exemplo, e deu mais espaço pra eles trabalharem.
Eu senti muito isso, que a Sky Chefs valoriza seus funcionários. Tem aqueles quadros de funcionários do mês e fotos de vários deles passando em algumas TVs em formato de slideshow. Todo mundo com sorriso no rosto e aparente felicidade por trabalhar lá. Eles têm também um programa de treinamento e workshop em gastronomia que visa formar profissionais qualificados que podem ser absorvidos ou na própria empresa ou em restaurantes e hotéis da região.
Revendo os conceitos de comida de avião
Depois dessa visita incrível, voltei para nossa sala de almoço para voltar ao visual anterior e receber uns brindes maravilhosos. A LSG Sky Chefs me deu um potinho de pimenta biquinho, um chaveiro com um caminhãozinho deles e um livro de cozinha mexicana. A KLM deu, além dos saleiros de tamancos que estavam na mesa, um livro especial com a história e receitas do chef Rodrigo Oliveira, autografado, e uma bolsinha toiletry bag (tipo nécessaire) lindíssima no estilo das bolsas da KLM que eu amo!
Essa visita me fez repensar a comida de avião. Me fez rever os conceitos que eu tinha sobre comida de avião. Entender quanta coisa está por trás, é surreal. Cada vez que eu for comer nos meus futuros voos, se tiver um selinho da LSG Sky Chefs, já saberei de toda história, cuidado e carinho com que aquilo foi preparado.
Queria agradecer demais, demais, demais à LSG Sky Chefs por me receber tão bem, ao Rodrigo Oliveira e sua equipe pela comida deliciosa e, especialmente, à KLM pelo convite pra essa experiência inesquecível. Pra quem não sabe, eu trabalhei 2 anos tendo a companhia como cliente para produção de conteúdo e foi por causa dela que comecei a me interessar e me apaixonar por aviação. Nunca nem voei com ela, mas ela já é minha companhia favorita. E ouvindo os relatos de todos que já voaram, sei que não vou me decepcionar.
Esse artigo não é patrocinado, não estou ganhando nada pra falar, mas sou realmente apaixonado pela companhia. Esses bastidores da aviação começaram a me fascinar quando eles começaram a me apresentar, sem querer. Então, fico mega feliz de ela estar junto nesse primeiro artigo da série Bastidores da Aviação aqui no blog.
O Viaja Bi! visitou a LSG Sky Chefs a convite da KLM. Todas as opiniões expressas aqui, são independentes e refletem a real experiência como visitante.
Comentar