Direitos LGBT no Canadá e em Toronto
É de conhecimento mundial que hoje, o Canadá é um dos países mais abertos à comunidade LGBT+ e que mais celebra sua diversidade, tendo em Toronto seu “hub colorido”. Então decidi buscar quais são os direitos LGBT no Canadá e em Toronto.
Eu visitei Toronto agora no meio de dezembro e voltei apaixonado pela cidade, gente. Que lugar incrível! Eles chamam a cidade de Canada’s Downtown e não é à toa. É a cidade mais global e multicultural que já visitei (incluindo aí na lista grandes metrópoles europeias, tá?) e mesmo assim, mantendo um espírito todo canadense. Ela é considerada uma das cidades mais multiculturais do mundo.
Isso torna a cidade super aberta à comunidade LGBT+, afinal está todo mundo super acostumado à diversidade. Michael Rizzi, um youtuber gay canadense, considera o país todo um dos melhores lugares do mundo para ser gay, lésbica, bi ou trans.
Tendo isso em mente, comecei a pesquisar o cenário LGBT+ na cidade e no país.
Você sabe quais são os direitos LGBT no Canadá e em Toronto? Quais facilidades eles têm ou não? Rola casamento gay e lésbico? Fiz umas pesquisas e juntei várias informações pra você, bi que me acompanha e quer viajar pra lá.
Canadá e Toronto: multiculturais e diversos
Nem sempre o Canadá foi esse mar de rosas e cores que a gente conhece hoje. Até a segunda metade do século XX, ter relações com pessoas do mesmo sexo, não te fazia só homossexual, mas também um criminoso. Se quiser se aprofundar nisso, montei uma linha do tempo com a história LGBT do Canadá.
Com o tempo passando, isso mudou e várias conquistas aconteceram, muitas delas tendo origem em Toronto. Por conta disso, muita gente foi chegando e a população da cidade foi se tornando cada vez mais diversa.
De acordo com o Censo 2016, o Canadá tem quase 22% de sua população formada por pessoas que não nasceram lá. A maior parte da população do país se concentra em Toronto, a maior cidade, e lá a proporção mais que dobra. Ela tem 47% de sua população nascida em outros países. Se somarmos os não-residentes, ou seja, pessoas que estão temporariamente no país, a cifra passa de 50%. Bi, mais da metade da população circulando pelas ruas de Toronto não é de lá. :O
51,5% da população é de “minorias visíveis”, segundo os indicadores sociais da prefeitura. Isso cria um ambiente de diversidade. Cara, são mais de 140 idiomas e dialetos falados na cidade, mesmo tendo o inglês e francês como línguas oficiais do país.
De acordo estimativas das Nações Unidas, o Canadá é o 8º país que mais recebe imigrantes no mundo. Em 2017, foram contabilizados mais de 7,8 milhões vivendo no país. O relatório de 2018 da International Organization for Migration também aponta que o país é o 2º que mais recebeu refugiados no mundo entre os países com programas de reassentamento entre 2000 e 2016, foram quase 50 mil.
Isso é tão forte que Toronto adotou, há anos atrás “Diversidade Nossa Força” (Diversity Our Strength) como seu lema oficial, entendendo que a diversidade e a migração são as vantagens que ela tem sobre outras grandes cidades do mundo.
A teoria de planejamento que eles adotaram foi o “planejamento multicultural”. Com isso, eles poderiam guiar seus planejadores urbanos em seu trabalho de incorporar migração e diversidade aos seus planos. Não é mara?
Two-spirited, uma denominação indígena de gênero
Uma história interessante é saber que o termo usado no Canadá para a comunidade LGBT+ é LGBTQ2s. Além do LGBT que já conhecemos aqui, o Q é usado para queer (usado ocasionalmente por aqui também) e o 2S está pelo two-spirited, que deriva da tradição indígena da América do Norte.
Em várias tribos indígenas, há registros de tradições e termos usados para pessoas transgênero, variação de gênero ou identidade sexual. Depois da colonização religiosa europeia essas tradições começaram a morrer, mas no começo da década de 1990, grupos indígenas buscaram recuperar muitos de seus costumes e tradições. Os grupos indígenas LGBT+ propuseram o termo two-spirited para se referir ao “terceiro gênero”, baseado nas crenças de que o corpo pode abrigar os dois espíritos (masculino e feminino).
Direitos LGBT em Toronto e no Canadá
Tá, legal, mas e quais são os direitos das bis por lá? Bom, coloquei aí embaixo os principais direitos separados pelos temas mais discutidos. Pra saber mais, confira o panorama geral da história LGBT do Canadá que montei.
🍁 LEGALIZAÇÃO, RECONHECIMENTO E LEGISLAÇÃO
Ser gay ou lésbica não é mais crime no país desde 1969.
Desde 1996 também foram criadas leis de combate à discriminação por orientação sexual em alguns temas: mercado de trabalho, oferta de bens e serviços e em outras áreas, que incluem discriminação indireta e discurso de ódio. Em 2017, as leis foram ampliadas para também incluir discriminação por identidade e expressão de gênero, além da orientação sexual.
Desde 2000, casais de mesmo sexo têm garantidos os mesmos benefícios financeiros e de imigração que casais heteroafetivos.
Em 2018, como parte das desculpas históricas do primeiro-ministro Justin Trudeau às pessoas LGBT+ que sofreram preconceito em serviços público e/ou militares, canadenses ou familiares de canadenses mortos podem pedir a destruição de registros criminais por sodomia, atentado violento ao pudor e relações anais.
STATUS: Aprovado 👍
🍁 SEXO ANAL
Sim, meus amores, há uma questão meio bizarra, mas que marca uma diferenciação. As leis entendem que adolescentes de 16 anos podem fazer sexo vaginal, desde que haja consentimento, pois essa é a idade onde se entende que a pessoa é maior perante a lei. Mas, no caso de sexo anal fora do casamento, deve esperar dois anos mais. As províncias de Alberta, British Columbia, Ontario, Nova Scotia e Quebec entendem que essa diferença é inconstitucional.
Isso é independente de orientação sexual, mas indiretamente criminaliza homens gays, já que não fazem sexo vaginal. É meio bizarro pensar o quanto as leis interferem em como escolhemos ter prazer. Por falar nisso, também é crime fazer sexo anal se mais de duas pessoas estiverem presentes. Threesomes? No way!
STATUS: Permitido com restrições 👊
🍁 CASAMENTO LGBT
O casamento para a comunidade LGBT+ tem muitas variações de nome: casamento LGBT+, casamento gay, casamento lésbico, casamento entre pessoas do mesmo sexo, casamento homoafetivo, casamento igualitário… No Canadá, todos eles já são válidos, no âmbito civil, por conta de uma lei federal, que ganhou consentimento legal em 19 de julho de 2005. 😉
O que muita gente não sabe é que essa lei teve início 2 anos antes, em 2003, com uma decisão do Tribunal de Apelação de Ontário, província onde fica a cidade de Toronto, em um caso específico. Ela abriu um precedente para legalização do casamento em mais 7 províncias e 1 território antes da aprovação da lei federal sobre casamento civil.
STATUS: Aprovado 👍
🍁 ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS
A adoção por casais do mesmo sexo já é possível no Canadá desde 2010. E é possível tanto adoção conjunta, quando o casal adota junto (possível no Brasil), como adoção por 2º responsável, onde um(a) do casal pode adotar o/a filhx, biológico ou adotado, de seu par sem tirar os direitos dessa pessoa. No Brasil, essa modalidade ainda não é possível.
Exemplo: vamos supor aqui que eu seja o marido do Bruno (Gagliasso #sonho) e que ele tenha uma filha biológica que foi abandonada pela mãe ou que a mãe morreu. Se eu morasse em Toronto, eu poderia adotar essa minha, até então, enteada, sem que o Bruno perdesse os direitos de pai dela também, entende? Isso permitiria que eu tomasse decisões médicas pela criança, alegar dependência dela e ganhar custódia no caso do meu marido morrer.
STATUS: Aprovado 👍
🍁 REPRODUÇÃO HUMANA
O país oferece acesso à fertilização in vitro para mulheres lésbicas.
Desde 2004, o que conhecemos no Brasil como “barriga de aluguel” é proibido para todos os casais, independentemente de orientação sexual. Mas a barriga solidária (que não envolve pagamento) é permitida e as mães podem ser reembolsadas por algumas despesas. Em Quebec, nenhuma das duas modalidades é permitida por lei mas não é explicitamente proibida e a província já reembolsou homens gays por custos de barriga solidária (ou “maternidade de substituição”).
STATUS: Aprovado 👍
🍁 APOIO COMUNITÁRIO EM TORONTO
No Canadá, o apoio aos cidadãos em geral se dá por meio de diversos centros comunitários. No caso de Toronto, os LGBT+ contam com o The 519, um centro comunitário específico que fica na Church Street, o reduto gay da cidade. Em dezembro, fui conhecer o centro e fiquei impressionado com a quantidade de atendimentos oferecidos.
O 519 começou seus trabalhos em 1976 e tem ajuda governamental, de caridade e de eventos que organiza. Suas atividades se dividem em 3 pilares: serviço, espaço e liderança. Oferece diversos espaços de graça para a comunidade, principalmente LGBT+, e tem um trabalho inspirador de treinamento de lideranças corporativas sobre a temática que treinou quase 12 mil pessoas em 2017, além de um programa focado em pessoas trans “de cor”, em pessoas idosas e 5 programas de engajamento focados em jovens.
Em 2017/2018, eles fizeram mais de 1.500 atendimentos a refugiados, um workshop de defesa pessoal, tiveram quase 13 mil visitas de pais e filhos no programa EarlyON e Family Drop-in e serviram mais de 26 mil refeições nos programas apoiados pelo Fabarnak, um café comunitário e restaurante que fica no mesmo espaço. Também oferecem pra mídia um guia de referência e linguagem para tratar de maneira apropriada os LGBT+ em suas notícias.
STATUS: Possui 👍
🍁 FORÇAS ARMADAS
A ordem que excluía pessoas LGBT+ dos serviços militares foi derrubada em 1992, assim permitindo que as bi tudo sirvam às Forças Armadas Canadenses livres de discriminação e preconceito.
STATUS: Aprovado 👍
🍁 TERAPIA DE CONVERSÃO
Infelizmente, ainda é possível pais submeterem seus filhos à bizarra e torturante terapia de conversão, onde ditos “psicólogos” tentam converter a criança, de gay, lésbica ou bissexual em hétero. A surreal prática é banida somente em 4 províncias canadenses, mas com ressalvas: Ontário, Manitoba, Nova Scotia e British Columbia.
Ontário, onde fica Toronto, e Manitoba foram as primeiras províncias a banir a terapia de conversão, em 2015. Em Ontário foram além do que já era praticado nos EUA, já que a ação incluía também proteção a pessoas trans. Em 2018, o banimento também chegou a duas novas províncias: Nova Scotia, que baniu mas permite “menores maduros” entre 16 e 18 anos a consentir, e British Columbia, que infelizmente só tem o banimento na cidade de Vancouver. Em Manitoba e Vancouver, o banimento vale pra todas as pessoas, não só menores.
STATUS: Só em 3 províncias e 1 cidade 👊
🍁 DOAÇÃO DE SANGUE
Em 1977, homens gays e bissexuais foram proibidos de doar sangue. Em 2013, o banimento caiu parcialmente pois se você tivesse contato sexual com um homem poderia doar sangue somente após 5 anos sem sexo. Em 2016, o período foi reduzido para 1 ano.
No mesmo ano, também tiveram início regras pra pessoas trans que terá as perguntas relacionadas à vida sexual relacionada ao sexo designado no nascimento, caso não tenha passado pela cirurgia de redesignação sexual. Ou seja, uma mulher trans, caso não tenha feito a cirurgia, será tratada como homem e cai na regra de 1 ano. Se tiver feito, se enquadra como mulher mas também só pode doar 1 ano após a cirurgia.
STATUS: Aprovado com restrições 👊
🍁 DIREITOS DAS PESSOAS TRANS
Os assuntos relacionados especificamente às pessoas trans não são unânimes, mas algumas ações atendem desde homens e mulheres trans até interssexuais.
É possível, por exemplo, fazer alteração de nome social e do marcador de gênero nos documentos e formulários governamentais em todas as 13 províncias/territórios desde 2017 sem necessidade de ter feito a cirurgia de redesignação sexual. A cobertura para essa cirurgia está coberta em várias províncias (variando pelo tipo de cirurgia necessária), mas em nenhum dos 3 territórios (províncias e territórios são tipo os nossos “estados”).
O passaporte canadense e os demais documentos têm, desde 2017, três opções de gênero: masculino, feminino e X, o gênero neutro.
Sobre a retirada da transexualidade da lista de transtornos mentais, depende da província/território. Alguns usam o DSM 5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5.ª edição), publicação de 2013 da Associação Americana de Psiquiatria, que é a versão mais nova. Outros ainda usam o DSM 4, publicado em 1994. Isso significa que em algumas províncias/territórios, a transexualidade ainda é considerada um transtorno mental.
STATUS: Direitos garantidos com restrições 👊
🍁 EDUCAÇÃO LIVRE DE PRECONCEITO
O currículo das escolas públicas, principalmente em British Columbia estão sendo alterados para incorporar tópicos LGBT+, mas varia de caso a caso, escola pra escola. Escolas religiosas podem discriminar alunos e professores por conta de orientação sexual baseados em sua doutrina. Mas se, por exemplo, eles alugam espaços para o público geral de modo comercial que não tenha a ver com sua religião, não podem se negar a alugar pra grupos LGBT+.
Como resultado, o número de suicídios e depressão entre os LGBT+ era muito mais alto que os não-LGBT+. Isso levou aos próprios estudantes começarem a criar gay-straight alliances, ou seja, alianças entre LGBT+ e héteros, algumas vezes com apoio de associação de professores, para conter a LGBTfobia e o bullying e prestar apoio a essa comunidade.
Em 2018, Suprema Corte do Canadá negou a inscrição de uma universidade religiosa por suas políticas de banir alunos que tenham tido sexo fora do casamento ou com pessoas do mesmo sexo. A maioria das instituições de ensino, incluindo escolas privadas abertas ao público geral, são consideradas serviços públicos e estão sujeitas às leis de Direitos Humanos e são obrigadas a não discriminar funcionários ou alunos por motivos proibidos, que incluem orientação sexual, HIV/AIDS e identidade de gênero, por exemplo.
Em 2012, a província de Ontário implementou a Lei de Escolas Tolerantes, que coíbe o bullying nas escolas por fatores como tamanho, força, idade, inteligência, poder de grupos de interesse, situação econômica, situação social, religião, origem étnica, orientação sexual, circunstâncias familiares, gênero, etnia, incapacidade ou recebimento de educação especial. Depois disso, as províncias de British Columbia e Saskatchewan criaram medidas e políticas contra o bullying e todas as outras províncias também preferiram o caminho legal de Ontário.
STATUS: Direitos garantidos com restrições 👊
🍁 LEIS CONTRA LGBTFOBIA
Em relação à leis do país, muitos avanços foram feitos, apesar de ainda não existir a proibição de discriminação por orientação sexual na Constituição. Todos os aspectos relacionados a emprego, por exemplo, estão cobertos, incluindo benefícios para esposxs e parceiros de longa data.
Desde 1985, com as mudanças na Carta Canadense de Direitos e Liberdades, os LGBT+ do país adquirindo vários direitos judiciais que antes lhes eram negados, na maioria das áreas políticas como imigração, habitação, emprego, saúde, adoção, pensões, finanças, crimes de ódio e casamento.
O país conta com a presença de instituição nacional de Direitos Humanos que inclui orientação sexual em seus trabalhos. Na parte criminal, os crimes de ódio tem como agravante a discriminação por orientação sexual e a incitação ao ódio baseada em orientação sexual é proibida.
STATUS: Possui 👍
Direitos LGBT+ no Canadá e o turismo em Toronto
E aí você me pergunta: “Rafa, legal saber de tudo isso mas o que isso muda pra mim, que quero só viajar pra lá”?
Gente, tem tudo a ver! Segue meu raciocínio aqui… Qual a razão da gente viajar? Descansar? Isso você pode fazer numa praça ou parque perto da sua casa. A principal motivação que faz a gente pegar um avião e desembarcar em outro destino, principalmente se for internacional, é conhecer uma cultura diferente, comidas que não estamos acostumados, ver como funciona o sistema de transporte e compará-lo com o nosso, passar mais frio do que temos aqui (ou mais calor), ver monumentos diferentes…
Basicamente, tudo nos coloca num lugar de experimentação daquela vida. É quase como vivenciar um Big Brother lá, ao vivo, mas sem televisão no meio. Essa é a linha geral pro turismo.
E quando a gente fala de turismo LGBT+, a gente adiciona algumas camadas a esse nosso BBB. Isso é o que procuro trazer com o Viaja Bi!. Conhecer um pouco mais da história e dos direitos LGBT no Canadá como um todo, te faz ter em mente mais claro o cenário montado pela comunidade LGBT+ ao longo de todos esses anos quando você for visitar qualquer cidade canadense, mas principalmente Toronto, que está na vanguarda desse movimento e que me impressionou muito.
E não falo da boca pra fora. O Canadá foi o 26º país que já conheci, já passei por mais de uma centena de cidades, certamente. Mas nenhuma me impactou tanto na questão LGBT+ quanto Toronto.
Fontes: Wikipedia, ILGA, Michael Rizzi, City of Toronto, World Migration Report, IOM, Metropolis,
E você? Tem alguma dica sobre direitos LGBT no Canadá e em Toronto?
Deixe seu comentário pra ajudar outros viajantes.
O Viaja Bi! visitou Toronto a convite do Tourism Toronto. Todas as opiniões expressas aqui, são independentes e refletem a real experiência como turista.
Artigo patrocinado – Tourism Toronto
2 Comentários
MLSKemppi
No Canada, percebe-se mais aceitacao e compreensao quando o assunto e a populacao LGBT. Em uma pesquisa feita em 2013 em diversos paises, perguntando se “a sociedade deveria aceitar a homossexualidade”, apenas 14% dos entrevistados respondeu “nao”, colocando o Canada em 4? lugar em aceitacao LGBT, em um ranking com 38 posicoes. O Brasil, por exemplo, ficou em 14?, com 36% de “naos”.
Rafael Leick
O Canadá realmente é bastante avançado no assunto.