8 de novembro de 2020

Viajar é caminho pra despertar conexão, olhar pra dentro

Nos últimos tempos, tenho pensado muito sobre as conexões que a gente estabelece com outras pessoas, com lugares, com histórias. Falei um pouco disso, inclusive, no último episódio do meu podcast Casa na Árvore, tratando de turismo de isolamento. O assunto já tem rondado minha mente.

Paralelamente a isso, o Flávio Santos entrou em contato comigo, por meio de um amigo em comum, falando do projeto dele. Ele está com um financiamento coletivo aberto até 23/11/20 para transformar seu projeto de viagens, O Mundo que Pertenço, em livro físico. São 2 anos, 27 países, uma mensagem de esperança, conexão e cuidado.

Viagem e conexão: meditação é um caminho pro despertar, em Bagan, Myanmar - Foto: Flávio Santos

Viagem e conexão: meditação é um caminho pro despertar, em Bagan, Myanmar – Foto: Flávio Santos

Eu adorei o projeto, a ideia e quis ajudar tanto o Flávio quanto vocês. A meu pedido, ele escreveu um texto aqui para o Viaja Bi! contando um pouco da essência desse despertar da conexão e espiritualidade, das relações e vínculos que criamos em viagens e do quanto é importante estar entregue, vulnerável e confiante para o que a viagem pode te trazer.

Eu espero que vocês gostem e que possam, como retribuição por esse momento de reflexão, colaborar também com esse financiamento coletivo dele, porque eu já colaborei e quero meu livro impresso! 🙂 Conto com vocês!

 

Viagem e conexão, você consegue olhar pra dentro?

Flávio Santos

VIAGENS: UM CAMINHO PARA O DESPERTAR DA CONEXÃO
por Flávio Santos

Lembro perfeitamente de quando sonhava em fazer um mochilão. Eu ouvia histórias, pedia conselhos e me imaginava vivendo a tão sonhada experiência. Sentia que algo me chamava. Tinha 23 anos e nunca tinha saído do Brasil. Não falava inglês e o meu primeiro contato com estrangeiros foi hospedando intercambistas na minha casa. Eles vinham, ficavam de um a dois meses, iam embora e a vontade de viver uma experiência como aquela permanecia. As dicas que eu recebia não eram suficientes para que eu me movimentasse em busca do que eu tanto queria. Era como se eu estivesse aprisionado a algo que me segurava, estático.

Viagens e o “externo” estão totalmente ligados, viajamos para aguçar nossos sentidos e viver prazeres que arrepiam nossa pele. Mas, para além do que vemos do lado de fora, viajar pode ser uma excelente oportunidade para olhar para dentro.

Viagem e conexão: Capadócia além dos balões, Turquia - Foto: Flávio Santos

Viagem e conexão: Capadócia além dos balões, Turquia – Foto: Flávio Santos

Eu não acreditava que poderia viver uma experiência internacional. Sou filho de um casamento baseado em violência doméstica e abuso psicológico. Cresci em meio a muita dificuldade financeira e em um ambiente que não me aceitava como eu era. Mas, principalmente, porque nem eu mesmo me aceitava.

Muito influenciado pelo pensamento religioso que presenciava dentro de casa, me ver atraído por outros meninos era pecado e nojento. Uma autoestima abalada não somente por não encontrar beleza em mim mesmo quando me olhava no espelho dando de cara com meus dentes tortos e marcas na camiseta que mostravam a obesidade (motivo para tantos criativos apelidos na escola), mas também por não ter confiança suficiente para acreditar que poderia mudar.

 

Planejando a viagem de voluntariado

Viagem e conexão: Pico Camapuã, Curitiba - Foto: Flávio Santos

Viagem e conexão: Pico Camapuã, Curitiba – Foto: Flávio Santos

Em um dia, durante uma conferência de voluntariado em uma organização que eu participava, fomos convidados a escrever uma carta a uma pessoa querida, imaginando que estivéssemos no futuro e relatando tudo que conquistamos em um período de 30 anos. Eu escrevi a carta e, quando terminei, chorei. Olhei a minha vida e percebi que nada do que eu estava fazendo estava me levando ao encontro dos meus sonhos. Me senti totalmente perdido, mas foi nesse espaço, tomando consciência da confusão, que sutilmente uma fagulha de autocompaixão e determinação surgiram.

Consegui me organizar e parti para um ano de voluntariado na Ásia. Morei dois meses na Indonésia, trabalhei em uma escola de comunidade, vivi em um monastério em Myanmar e dei aula de inglês para monges. Uma experiência de vida, mas que não iria ter o mesmo significado se não fosse um acontecimento que, mais uma vez, me tirou o chão.

 

Viajando sem dinheiro

Viagem e conexão: Lago de Sal, na Turquia - Foto: Flávio Santos

Viagem e conexão: Lago de Sal, na Turquia – Foto: Flávio Santos

Fui furtado no quarto mês de viagem e todas as minhas economias para estar na estrada durante o restante dos projetos sumiram e a culpa, a raiva e a tristeza ficaram no lugar.

Sem ter como voltar para casa, precisei viajar sem dinheiro. Passei a pegar carona, dormir somente em hospedagens solidárias, acampar na beira da estrada e trocar trabalho por alimentação. Mas, tudo que podia me gerar desespero e medo, foi o que deu total significado à minha viagem e o que me motivou a escrever o livro que estou lançando.

Momentos de crises e adversidades nos inspiram a criar e nos desenvolvem no autoconhecimento. Tudo que fazemos pode ser espiritual. Espiritualidade significa observar e integrar para evoluir. Quando viajamos, se mantivermos nossos olhos abertos para o que ocorre dentro de nós, como nos relacionamos com as diferentes culturas e a maneira que reagimos aos acontecimentos, podemos perceber muito de quem somos, qual o nosso papel na sociedade e o tamanho do impacto das nossas ações.

O potencial transformador da aceitação

Viagem e conexão: Palembang, Indonésia - Foto: Flávio Santos

Viagem e conexão: Palembang, Indonésia – Foto: Flávio Santos

Viajar pode ser, sim, sobre conhecer lugares mas, para além disso, é sobre conhecer a si mesmo e criar uma forte conexão interna que nos permite a aceitação, o amor próprio e a confiança do potencial transformador que temos dentro de nós.

Para mim, o simples fato de der conseguido sair do país foi uma conquista de vida. Na sequência, depois do ocorrido com o dinheiro, percebi que somente com a aceitação é que somos capazes de fazer diferente e de tomar uma atitude consciente diante as situações que vivemos. Antes disso, nossas emoções não nos deixam agir.

Em primeira instância, eu neguei, me culpei e a autopunição era a única vontade que eu sentia. Mas, o que aconteceu já tinha acontecido, não tinha como ser diferente. Percebe que quando questionamos o que já passou, só trazemos confusão mental e negatividade para nossa vida? Isso pode ser visto tanto perdendo os dólares, como foi comigo, como simplesmente com o cancelamento de uma viagem de ônibus ou avião. Tão sábio é o dizer antigo que escutava da minha avó: “não adianta chorar pelo leite derramado”. Aceitação nos traz clareza e calma e, somente assim, conseguimos agir.

 

Impermanência da vida

Viagem e conexão: Mandalay, Myanmar - Foto: Flávio Santos

Viagem e conexão: Mandalay, Myanmar – Foto: Flávio Santos

Sinceramente, não sei quantas vezes meus planos mudaram. A vida está em constante mudança. O que quer que seja a que estejamos apegados nesse momento, vai mudar. Você já refletiu sobre isso alguma vez? Na estrada, é ainda mais intenso. Percebemos como não temos controle sobre nada e quanto mais queremos controlar, mais fácil saímos do nosso centro.

Quando estava em Myanmar, participei de um retiro de meditação de 10 dias em silêncio. O objetivo das práticas nesse tempo era observar as sensações no nosso corpo e como elas mudavam rapidamente. Um exercício simples, mas muito profundo. Ao perceber em nós as mudanças, o próximo passo é expandir essa percepção para os acontecimentos da nossa vida e do mundo, trazendo força e equanimidade para nossa mente.

Sempre que tenho a oportunidade, busco viajar para estar diante das maravilhas da natureza. Como, por exemplo, subir uma montanha, passar tempo olhando para o oceano ou estar próximo a antigas árvores. O apreciar me faz tomar consciência do tamanho da minha vida perto dos milhares de anos que já se passaram nesse planeta. É como um despertar para deixar de me preocupar com coisas pequenas e que não merecem tanto minha atenção. Se nossa vida é pequena perante o universo, o que são nossos problemas? Isso para mim é libertador.

 

Natureza bondosa do ser humano

Viagem e conexão: de carona no Myanmar - Foto: Flávio Santos

Viagem e conexão: de carona no Myanmar – Foto: Flávio Santos

Percorri, de carona, mais de 25 mil quilômetros, conheci 27 países, mas tudo isso foram apenas estímulos que me mostraram a verdadeira natureza bondosa do ser humano. Acredito fortemente que tudo que uma pessoa quer é ser amada, estar protegida e cuidar dos seus. Infelizmente, por ignorância e distanciamento da consciência da interconexão do coletivo, vemos muito egoísmo. Mas, observe, em algum âmbito, o que ela faz é por amor (nem que seja por ela mesmo).

Como olhar o mundo como um lugar repleto de pessoas que acolhem e cuidam? Vulnerabilidade. Este é o segredo! Ao perder tudo, precisei me entregar e me coloquei aberto ao universo para que ele tomasse conta de mim. Houve dias que saí para a estrada sem saber o que iria comer ou onde iria dormir. E o que aconteceu? Ao anoitecer, eu estava deitado em uma cama confortável e havia tido três fartas refeições. Nunca me faltou nada. Pessoas abriram a porta dos seus carros, das suas casas e dos seus corações.

A vulnerabilidade permite a conexão e, nesse espaço, damos a oportunidade para que os outros nos vejam por inteiro, de maneira que a compaixão e a ajuda sejam os únicos caminhos. Você percebe o que eu estou dizendo? É muito sutil.

O que faz com que carreguemos preconceitos e distanciamentos? As nossas experiências de vida e nossas identificações. Isso determina a forma com que nos relacionamos com o mundo. Se conseguimos deixar ir essas impressões da nossa mente, nem que seja por um instante, percebemos a união em viver uma experiência humana, pois nos damos conta de que compartilhamos das mesmas emoções, sentimentos, falhas e qualidades individuais. Ser livre para mim, não é somente para cruzar fronteiras, mas também perceber o outro e cuidar.

Viagem e conexão: Karimun Jawa, Indonésia - Foto: Flávio Santos

Viagem e conexão: Karimun Jawa, Indonésia – Foto: Flávio Santos

 

Como viver isso no dia-a-dia?

Hoje, dedico grande parte do meu tempo a atividades que elevam a minha energia e me colocam em um estado de “centramento” que me permite expandir essa consciência das conexões. Meditação, yoga e voluntariado me fazem permanecer nesse conhecimento e é algo que sugiro a você.

Reserve um tempo para si mesmo, cultive a gratidão e pratique atos de bondade aleatórios. Independentemente de onde você estiver, seja no mundo ou na sua casa, cultive essa jornada de conexões que geram cuidado, pois só assim sentiremos que o mundo todo nos pertence e que é a nossa responsabilidade tornar ele um lugar melhor para todos viverem.

SOBRE O AUTOR CONVIDADO
Flávio SantosFlávio Santos
Tem como principais valores espiritualidade, liberdade e gentileza. Diploma de Engenheiro com missão de mudar o mundo. Trabalha com projetos sociais e tem 2 pós-graduações em temáticas sociais. Instrutor voluntário de cursos de respiração, faz trilhas, medita e acampa. Fundador do projeto de viagem O Mundo que Pertenço. Acompanhe no InstagramYouTube.

 

 

Não sei vocês, mas eu adorei ler essa experiência do Flávio e já estou ansioso para ler o livro dele. Então, peço novamente para que vocês, se puderem, também colaborem para que esse projeto saia do papel, ou melhor, saia para o papel! Entre no site do financiamento coletivo e colabore como puder, nem que seja divulgando.

Flávio, obrigado pelo texto inspirador e por apontar, para os leitores do Viaja Bi!, mais esse caminho de crescimento e autoconhecimento, que faz tanto sentido para mim há muito tempo. 😉

 

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Sobre Rafael Leick

Rafael Leick

Criador dos projetos Viaja Bi!, Viagem Primata e ExploraSampa, host do podcast Casa na Árvore e colunista do UOL. Foi Diretor de Turismo da Câmara LGBT do Brasil. Escreve sobre viagem e turismo desde 2009. Comunicólogo, publicitário, criador de conteúdo e palestrante internacional, morou em Londres e São Paulo e já conheceu 30 países. É pai do Lupin, um golden dog. Todos os posts do Rafael.

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3 Comentários

  • Lucas Diniz
    2020-11-09 10:22

    Uau, tantas experiencias incríveis! O Flavio é inspirador e mostra que sempre podemos realizar sonhos quando os colocamos como meta de vida, parabéns por esse artigo tão completo e motivador! <3

  • Pousada na Garopaba
    2021-07-28 15:44

    Excelente post

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