Brasil retira incentivo ao turismo LGBT do Plano Nacional de Turismo
O Viaja Bi! é um blog de experiências, que traz uma ou outra notícia mais relevante e não um site de notícias. Mas hoje, o dia acordou com mais uma surpresa desagradável vindo do Governo Federal: o governo Bolsonaro retira incentivo ao turismo LGBT do Plano Nacional de Turismo. Minhas notificações pipocaram com notícias do G1, Época e Põe na Roda, entre outras mensagens no WhatsApp de indignação e manifestações de pessoas do setor.
Então, apesar de evitar focar em política pra tentar focar no que é positivo, já que política só traz desgosto, eu evito o assunto por aqui. Até porque até mesmo na minha família tem quem apoie o atual governo, mesmo com tantos absurdos acontecendo… Vai entender como funciona a cabeça de cada um, né?
Mas afinal, o que significa essa ação?
Governo Bolsonaro retira incentivo ao Turismo LGBT
É bom deixar claro que o Turismo LGBT+ nunca teve um apoio público consistente em nenhum governo anterior. Existiam ações pontuais de apoio. Em 2017, inclusive, o Ministério do Turismo, me convidou para escrever sobre o Brasil gay-friendly aqui no Viaja Bi! e no site do MTur. O convite foi uma ação pontual, mesmo em um governo péssimo como de Michel Temer, que seguia a indiferença com o Turismo LGBT+ de seus antecessores.
Mas entidades LGBT+ privadas como a Câmara LGBT do Brasil, o Fórum de Turismo LGBT e a IGLTA faziam, cada um em sua alçada, pressão para que o Turismo LGBT tivesse um incentivo oficial, assim como diversos outros países desenvolvidos. Não somente pela questão social mas também pela questão econômica.
O ministro do Turismo Marx Beltrão (2016-2018) incluiu o segmento no Plano Nacional do Turismo. As estratégias incluíam “sensibilizar o setor para a inclusão das pessoas idosas e do público LGBT no turismo”.
Isso levou a alguns avanços, mesmo que tímidos. Em maio de 2018, foi finalmente assinado um acordo de cooperação entre o Ministério do Turismo, Embratur (órgão de promoção turística do país) e a Câmara LGBT do Brasil, como noticiado pelo próprio MTur e pela própria Embratur. O acordo, que tem como objetivo promover e apoiar a comercialização do Brasil como destino gay-friendly nos mercados doméstico e internacional e sensibilizar prestadores de serviços turísticos para evitar o preconceito no atendimento a esse público, é válido até 2023.
À época, o ministro do Turismo Vinicius Lummertz, acertadamente disse que “O Brasil é uma nação muito conservadora, ainda que diversa. Mas o turismo faz muitas coisas acontecerem. Ele aproxima, cria canais, faz as pessoas viajarem, se comunicarem, se entenderem apesar dos idiomas distintos. O turismo é uma forma de ‘respirar’, de ‘oxigenar’ o Brasil”.
Mesmo que, dependendo de uma iniciativa privada para fazer acontecer, havíamos nos movido um tiquinho em direção ao futuro.
Algumas ações foram feitas em conjunto, como reunião estratégica, aproximação com o Ministério de Relações Exteriores, apresentação do destino como LGBT-friendly em evento em Buenos Aires, patrocínio na convenção internacional da IGLTA, entre outras.
Se antes, ninguém ligava, agora estamos sob ataque direcionado, que não duvido ser uma cortina de fumaça pra um governo desorientado que não sabe como fazer as coisas melhorarem. Em abril, Jair Bolsonaro disse, em café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, ou seja, de forma bastante oficial, que “o Brasil não pode ser o país do turismo gay”.
A Câmara LGBT do Brasil, na época, se posicionou, em carta aberta à sociedade, criticando a fala de Bolsonaro. “A fala apresentada traz em si uma falta grave relacionada ao conceito de Turismo LGBT, que não promove o turismo sexual”, diz a carta. Em outro momento, ressaltam o tamanho do mercado a ser rejeitado. “Combater a visita da comunidade LGBTI+ ao Brasil, além de ser um grave ataque aos direitos universais, impediria a entrada de USD26,8 bilhões na economia brasileira (pesquisa OUT/WTM 2018), colaborando com o desemprego e minando as relações internacionais brasileiras com países que valorizam a democracia e o fim do preconceito.” Leia a carta completa.
Hoje, o presidente Jair Bolsonaro, que nessa semana se convidou para receber um prêmio em Dallas, visitou George W. Bush de surpresa e foi rejeitado pelo prefeito de Dallas, assinou um decreto criando o Plano Nacional de Turismo para o período entre 2018 e 2022, que havia sido elaborado durante o governo anterior. Mas, o trecho “sensibilizar o setor para a inclusão das pessoas idosas e do público LGBT no turismo” do plano original agora contempla somente as pessoas idosas.
O texto original incluía os benefícios do setor. “Essa visão traz, para além dos benefícios econômicos, benefícios sociais que se expressam tanto para os destinos como para os viajantes LGBT. O destino pode associar sua imagem à tolerância, inclusão e diversidade e o turista LGBT tem sua experiência melhorada em um ambiente amigável e preparado para recebê-lo livre de preconceito”
Impacto na economia e desgoverno
A ação, não só é preconceituosa como é burra do ponto de vista econômico. O plano original já demonstrava que os turistas LGBT representam 10% dos viajantes no mundo todo, mas geram mais lucro. O segmento representa 15% do faturamento do setor, segundo dados da Organização Mundial do Turismo. Ou seja, o turismo LGBT movimenta mais faturamento do que representa em quantidade. Em termos técnicos do turismo, o “ticket médio” é maior.
O Sebrae publicou um levantamento no início do ano dizendo que o Brasil é o país da América Latina com maior potencial de crescimento de receitas com o turismo LGBT. Enquanto o turismo geral subiu 3,5%, o turismo LGBT registrou alta de 11%. Essa ação do governo põe em cheque sua competência como administração do país, num momento em que se fala de cortes em educação e previdência porque “falta dinheiro”.
Átila Paixão, da agência Viaje com Orgulho, nossa parceira na viagem para Orlando no Halloween, diz que, para as agências, as consequências da ação de Bolsonaro é uma via de mão dupla. “Mais que nunca os turistas vão querer sair do país. Como vendemos pra fora, pode ser mais um incentivo, vai fortalecer produtos de fora, mas vai intensificar a precariedade do mercado interno”. Ou seja, Brazil sendo priorizado ao invés do Brasil.
O Fórum de Turismo LGBT, que acontece no dia 6 de junho em São Paulo, soltou hoje, nota em que relembra que, por comparação, no evento onde Nova York apresentou suas novidades para 2019, foram apresentados dados de que cerca de “7 milhões de turistas LGBT visitam a cidade todos os anos, sendo responsável por uma injeção de capital milionária na economia local”.
A nota também ressalta o crescimento do setor em destinos vizinhos, Argentina e Colômbia: “já despertaram para a importância do segmento e realizam um trabalho sério apoiado por seus governos, capacitando e divulgando seus destinos como LGBT friendly. Um trabalho que foi tão bem sucedido que 20% de todos os turistas que visitam Buenos Aires são LGBT, de acordo com o Ministério do Turismo daquele país.”
Clovis Casemiro, representante da IGLTA, associação mundial de turismo LGBT, no Brasil também se posicionou contra a retirada, que foi “feita sem nenhum estudo ou participação do trade, na calada da noite.” Ele também criticou a mudança do presidente da Embratur. “Tirando o Paulo Senise totalmente capacitado para o cargo e colocaram um sanfoneiro”.
Sanfoneiro não é força de expressão. Segundo o portal O Globo, Gilson Machado Neto é integrante da banda de forró eletrônico Brucelose e apoiador de Bolsonaro nas últimas eleições. É também dono de uma pousada em Alagoas que foi autuada pelo ICMBio por descumprir leis de proteção ambiental. Ele assume o cargo a pedido do presidente da República 6 dias após a nomeação de Paulo Senise, ex-presidente da Turisrio e do Rio Convention Bureau. A bravata por técnicos nos cargos do governo, tão divulgada durante as eleições continua indo por água abaixo. É o 3º presidente da Embratur em 4 meses e meio de governo.
🌈 Leia o guia de viagem gay do Brasil que escrevi pra IGLTA (inglês) 🌈
Essas mudanças afetam inclusive o acordo já pré-estabelecido com a Câmara LGBT do Brasil. O acordo tem validade até depois do fim do mandato de Bolsonaro, então não pode ser quebrado sem que o governo dê promoção ao assunto ou divulgarem no Diário Oficial.
Mas, segundo Ricardo Gomes, presidente da Câmara LGBT, a atitude oficial tem sido a omissão. “Não sabemos de nada. O Ministério do Turismo simplesmente não responde mais nossos ofícios e e-mails. Nosso trabalho com eles está completamente congelado. Não há um comunicado oficial mas nada caminha. Tínhamos em andamento treinamentos por todo país, participação em feiras, na Conferência Internacional da Diversidade e Turismo LGBT, tudo parado”.
Outro material afetado é a cartilha Dicas para atender bem turistas LGBT, destinada a empresas do ramo do turismo que explica desde conceitos básicos como identidade de gênero e orientação sexual até o uso do nome social no atendimento à população trans e lançada em novembro de 2016. “O material seria reeditado a pedido do próprio Ministério do Turismo junto com a Câmara, mas também está congelada por falta de comunicação”, diz Ricardo Gomes. Impedidos de quebrar o acordo, mas proibidos de dar continuidade por ordem de Bolsonaro, o Ministério do Turismo e a Embratur estão mais congelados que o cérebro da ministra Damares.
As ações da entidade continuam, assim como as do Fórum e da IGLTA e tantas outras, sem a dependência do governo federal. Gomes reitera: “Se o Governo Federal vai virar as costas para o segmento mais rentável para o turismo, nós não faremos o mesmo e continuaremos cobrando um posicionamento deles. Precisamos fazer algo efetivo, unir iniciativas públicas e privadas e não somente ficar respondendo as bobagens faladas.”
É, bis, as projeções não são as melhores. Mas vou continuar trazendo pra vocês o lado bom de viajar, tendo orgulho de ser quem somos, independentemente de orientação sexual, identidade de gênero ou posição política. Não é uma questão de direita e esquerda. É uma questão de incompetência e de implementação ideológica na máquina federal, mesmo que isso signifique perda de dinheiro para o país. É uma tragédia anunciada. O anúncio desmantelou famílias (a minha inclusive) e dividiu o Brasil.
O que eu mais gostaria é que eles estivessem certos… mas não é o que está parecendo, né? Espero que daqui 4 anos, eu possa, se estiver vivo, resgatar esse post com boas notícias.
Agora, vamos voltar à nossa programação normal e falar de coisa boa. Vamos continuar viajando, continuar existindo, que é a melhor maneira de resistir.
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