13 de janeiro de 2021

Pandemia Covid-19 e isolamento: será que tô exagerando?

Já tem 10 meses que a pandemia Covid-19, a maior pandemia do século, causada pelo novo coronavírus, foi declarada no mundo todo, se espalhando no Brasil, depois de assolar a Ásia e a Europa. Poucos dias antes dessa declaração, eu tive vários dos sintomas associados à Covid-19. À época, quando não se sabia praticamente nada sobre a doença, fui ao hospital e clinicamente me disseram que devia ser uma virose – um clássico – e que devia ir para casa.

Pandemia Covid-19: isolado com o Lupin

Pandemia Covid-19: isolado com o Lupin

Com a febre batendo quase 40°C por dois dias, fiz uma nova consulta por telemedicina e, apesar da febre alta, dores no corpo, diarreia, vômito e outros sintomas menores, me recomendaram ir ao hospital somente se eu estivesse com muita falta de ar. Ou seja, nunca fiz o teste. Era início da (ainda) epidemia e era mais perigoso ir para o hospital do que ficar em casa. Eu sabia que estava com o vírus, mas ouvi de pessoas ao redor que não era isso, que eu estava impressionado e que podia estar exagerando. Depois de quase 1 semana, melhorei.

 

Pandemia Covid-19: aprendendo a ouvir “está exagerando”

No fim de abril, minha mãe e meu padrasto apresentaram sintomas. Não tiveram vômito, mas perderam olfato e paladar, além de uma febre um pouco mais branda. Ainda assim, não houve teste porque, nos hospitais, o cenário era o mesmo de antes. Graças ao Universo, não tivemos sintomas mais graves, então, não entramos na estatística. Só no fim do ano minha mãe fez, para o trabalho, o exame sorológico que comprovou o contato prévio dela com o vírus.

Pouco depois, numa reunião virtual de trabalho, eu disse que não via o fim dessa pandemia antes de setembro, que seria por ali que as coisas talvez começassem a ficar melhores. Me disseram que eu estava exagerando e que era impossível um país sobreviver tanto tempo em isolamento.

10 meses e mais de 200 mil mortos depois no Brasil, o país não saiu da primeira onda e eu continuo na minha pregação diária do básico que tem que se pensar em um momento de pandemia: uma análise de risco de cada uma das situações que vivemos. E em várias delas, ainda hoje, me dizem ou demonstram que pensam que estou exagerando.

O lockdown, que deu um resultado temporário e um fôlego para sair de casa por uns meses no verão lá na Europa não aconteceu por aqui por questões puramente políticas. As três instâncias de governo foram incapazes, como sempre se mostraram, ou se acovardaram diante de um período eleitoral. A primera onda foi um tsunami que ainda não perdeu força por aqui. Destruiu inclusive a economia, de uma maneira atribuída ao que seria consequência daquele tal lockdown. Quando pontuei isso, à época, eu estava exagerando.

 

2º semestre da pandemia Covid-19: faltou noção e humanidade

Já no segundo semestre, os stories já começavam a mostrar viagens em grupo e aglomerações marcadas com #tbt, como se fossem fotos e vídeos antigos. Pessoas que têm grande número de seguidores nas redes sociais e se dizem influenciadores – influência dúbia, em muitos casos – começaram a sair da toca e viajar como se os números de casos e mortes não estivessem altos o suficiente. Destinos e empresas do trade de turismo entraram em contato comigo para perguntar se eu estava viajando, para me fazerem convites, aos que eu delicadamente declinei, explicando que estava isolado, como solicitado pelas autoridades de saúde e que tenho contato com pessoas de grupo de risco.

Essa posição constante de que eu estava exagerando e de a vida estar “voltando ao normal” enquanto eu estava me mantendo recluso, me fez questionar por diversas vezes se estava mesmo fazendo a coisa certa. “Será que eu não estou sendo radical?”, me perguntei.

Em dezembro, com casos e mortes em números crescentes novamente, nos aproximamos das festas de Natal e Réveillon. Nas notícias, festas clandestinas para milhares de pessoas bombando (e eu incrédulo). Em casa, apertamos ainda mais a situação por duas semanas para um isolamento total – sem nem supermercado sem ser por aplicativo – para poder trazer pra cá minha vó, que também ficou isolada todos esses meses. Assim ela não passaria mais essa data sozinha.

O resto da família? Bom, boa parte já estava dando “aquela flexibilizada” há bastante tempo… mas “com todos os cuidados, Rafa, pode deixar” e “não precisa ser radical também, é só tomar os cuidados”. Passamos as festas nós quatro. Uma pessoa que estava “tomando todos os cuidados” pegou Covid-19. Graças ao Universo, não evoluiu para um quadro grave, mas passou o Natal sem poder abraçar ninguém e chorou por isso.

A lição aprendida? “Não vejo a hora de poder sair da ‘torre’, porque é duro”. E, assim que acabou o tempo de isolamento – com um novo teste negativo, pelo menos – os stories já mostravam visitas a bebês e pessoas mais velhas.

 

Pandemia Covid-19: frustração, decepção e saco cheio

Veja, não quero aqui apontar o dedo somente para essa pessoa, alguém que eu amo demais, inclusive. Mas para o quanto essa situação é revoltante para as pessoas que pensaram coletivamente durante esses meses todos. Todos estamos cansados, todos estamos exaustos. Mas é só exercitar a empatia e a humanidade e olhar para o lado, poxa!

Há profissionais de saúde que estão esgotados, presenciando muitas mortes diariamente. Há pessoas que perderam parentes e amigos queridos. Há pessoas que não têm a possibilidade de ficarem isoladas em casa por morarem com várias outras pessoas num lar menor do que mereciam. Há outros que não têm a privilegiada opção de trabalhar em home office e que precisam enfrentar o transporte público lotado todos os dias, mesmo que cuidem de um idoso – que é grupo de risco – em casa.

Então, me desculpem! Mas é revoltante, é humilhante, é insultante ter que ouvir que é duro ficar 15 dias em isolamento. Qual o parâmetro de vida? É repugnante ver festas gigantescas para centenas de pessoas enquanto outras milhares estão sem poder ter atendimento hospitalar pela alta demanda. Isso é criminoso!

E o que me intriga e incomoda mais é ver o número de pessoas que apoia barbaridades como presidente negacionista incentivando aglomerações (não esqueçam que a aprovação desse asno ainda está inacreditavelmente em cerca de 30%) ou o tanto de gente que não estão mais nem aí para o que pode acontecer.

 

Responsabilidade: parece simples… e deveria mesmo ser!

Gente, passou da hora de pararmos e refletirmos um pouco. O que vocês fizeram com o tempo que passaram em casa? Talvez menos celular na mão ajudasse a desenvolver um pouco a humanidade em cada um.

O Viaja Bi! é um blog de viagens e eu também estou perdendo meu negócio por conta da pandemia. Estou, mas paciência. Tenho que me virar nos 30 e arranjar uma outra forma de sobreviver que não seja colocando outras pessoas (ou eu mesmo) em risco. E falo isso com total consciência da minha posição de privilégio. E me refiro aqui às pessoas que também se encontram nessa posição de privilégio ou nas superiores e que não pensam coletivamente. Tem gente que não tem mesmo o que fazer, isso está posto.

Mas promover viagem nesse momento, pra mim, soa inclusive irresponsável. Pelo menos da maneira que tem sido feito. Se são memórias de viagens passadas, contando experiências, ou falando de turismo de isolamento, acho válido. Eu fiz isso, inclusive. Morrendo de medo, mas fiz. Em um momento mais “brando” da pandemia, viajei de carro me isolando no meio do mato em uma pousada longe da civilização e de gente, seguindo todas as recomendações (não só na teoria).

Pandemia Covid-19: isolamento e exageros

Pandemia Covid-19: isolamento e exageros

A Amanda Noventa trouxe também esse tipo de conteúdo – muito melhor do que eu – nas redes dela. Se reinventou, adaptou seu conteúdo e forma de conversar, de maneira muito honesta e transparente, por exemplo. Agora, incentivar viagens do modo tradicional nesse momento, me desculpem, mas não dá para entender. Nem clima para isso há.

Enquanto isso, gays lotam o Rio de Janeiro no Réveillon ou um minicruzeiro – que naufragou – em Puerto Vallarta, cidade friendly do México e o Presidente da República decide aglomerar pessoas acéfalas no mar, porque talvez o vírus não saiba nadar, né? Deve ser isso, claro, e todos os cientistas do mundo não sabem o que fazem. Que mundo é esse?!

 

Pandemia Covid-19: Saúde mental equivocadamente aplicada

E o mais inapropriado, inadequado, indevido, irresponsável e sujo é usar “saúde mental” como desculpa para tudo isso, como vi muita gente fazendo. Saúde mental é coisa séria! E não se resolve com balada, barzinho, álcool, beijo na boca e sexo. Faz uma terapia que você vai ver o bem que faz… e, olha, dá pra fazer até online, respeitando o isolamento e a vida dos outros, veja só!

Quando comecei, em maio, o podcast Casa na Árvore, como parte do processo para cuidar da minha saúde mental, estreei trazendo uma tentativa de reflexão sobre o lado positivo da quarentena – e não da pandemia. A ideia era discutir como aqueles que podiam ficar em casa, como eu, poderiam tirar proveito desse momento péssimo para estimular o autoconhecimento e crescimento pessoal. O insight veio de um longo áudio que circulou na época, trazendo a mensagem de como o mundo espiritual se colocava em relação à pandemia e quais os caminhos que o mundo podia tomar.

Crendo ou não no que está ali, um dos alertas era que, se a humanidade não aprendesse com esse momento, outros viriam em muito breve, além de dizer que seria um momento difícil mas de limpeza para que conseguíssemos construir um mundo melhor. Eu acreditava nisso antes mesmo de ouvir esse áudio. A parte difícil é ver gente que você ama, que você nunca achou que agiria como agiu, brincando na corda bamba à beira de um precipício sem volta. E isso dá um desespero louco! A gente se desespera por quem amamos.

 

Pandemia Covid-19: o cansaço e o amor

Mas depois de falar, explicar, exemplificar, mostrar, provar, analisar e argumentar, o que ouço é: “não precisa exagerar…” que vem junto com uma tristeza opressora. Um choque de realidade e a prova prática de que está só nas nossas mãos conduzirmos a nossa própria vida e o nosso próprio caminho. Cada um vai seguir o que acredita, não tem jeito. Dói ver pessoas que você ama de olhos bem fechados, sem ativar os outros sentidos, se arriscando na beirinha do abismo? Ô se dói… mas o que está em nossas mãos para fazer?

Enfim, esse é um espaço onde sempre trouxe reflexões e experiências. Onde “viajei”, não só literalmente mas também nas ideias. E eu precisava colocar isso pra fora de uma das maneiras que mais me faz bem: em palavras. Porque eu também estou cansado, esgotado, com saúde mental mais frágil, carente, tudo isso…

Mas, quando essa pandemia Covid-19 passar, terei a tranquilidade de olhar pra trás com a certeza de que não era exagero. E você?

Feliz 2021!

 

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Sobre Rafael Leick

Rafael Leick

Criador dos projetos Viaja Bi!, Viagem Primata e ExploraSampa, host do podcast Casa na Árvore e colunista do UOL. Foi Diretor de Turismo da Câmara LGBT do Brasil. Escreve sobre viagem e turismo desde 2009. Comunicólogo, publicitário, criador de conteúdo e palestrante internacional, morou em Londres e São Paulo e já conheceu 30 países. É pai do Lupin, um golden dog. Todos os posts do Rafael.

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8 Comentários

  • Bruna
    2021-01-13 02:17

    aii Rafa, é foda né!
    a gente que trabalha com turismo sofre… eu não tenho salário fixo, dependo de vender pra ter comissão… e todos os meus possíveis clientes estão esperando a situação normalizar, ter vacina…
    claro que é ruim não ter uma graninha todo mês, mas saúde em primeiro lugar né!
    final do ano recebemos a visita de meus tios, e eles não mudaram muita coisa na rotina deles não.. ainda fazem mercado no mercado mesmo… e quando a gente foi, eu achei a pior coisa! tentava ficar longe das pessoas o máximo possível.. estava quase agindo que nem doida! mas acho que isso se deve ao fato de que eu acostumei a fazer compras pelo app..
    nesse ano de pandemia, eu sai beeeem pouco, só quando era necessário mesmo, mas com eles aqui, a gente passeou um pouquinho – e quando eles queriam sair um pouco mais, eu achava absurdo – e não fui em alguns lugares não! #limites
    nos 2 restaurantes + cafeteria que fomos aqui em Curitiba, achei que tomaram todos os cuidados, e me senti segura. em um dos restaurantes, a embalagem dos talheres era de papel, e eles indicavam guardar a máscara ali dentro, pra não sujar nem nada. e o álcool em gel deles é maravilhoso!! daqueles com cheirinho, e que deixam as mãos macias, com aloé vera… queria pra mim, confesso!
    passamos o dia na praia, e o que eu gostei é que as pessoas estavam fazendo um bom distanciamento; não ficamos muito, e os restaurantes não estavam muito cheios, então deu para respirar ares novos por algumas horas.
    e sim… da raiva de ver as pessoas saindo e viajando como se não houvessem tantas mortes, hospitais lotados e profissionais desgastados. vergonha alheia master das pessoas!
    eu já tô entrando na fase de me sentir mal de sair + quase surtar querendo voltar logo pra casa.. e isso que eu saio pro necessário – tipo empório que não tem entrega… ano passado fui em um médico apenas, e só pq tava com alergia… senão nem tinha ido.
    agora o negócio é voltar a ficar em casa – e sair só para ir até o portão buscar comida e compras de mercado
    começar a malhar
    maratonar séries e aulas de cursos
    e esperar a vacina né…
    bjoo

    • Rafael Leick
      2021-01-18 04:28

      Ainda bem que a espera pela vacina parece ter chegado ao fim, pelo menos para os profissionais de saúde…
      Pra gente, ainda demora um pouco mais.
      Valeu por compartilhar sua história, Bruna.
      Que as coisas melhorem logo!!!
      bjs

  • HENRIQUE M P COSTA
    2021-01-13 10:53

    Faço sua as minhas palavras. O pior é ver gente próxima, como irmãos e amigos curtindo a vida e dizendo que se fizesse o que eu estou fazendo estaria louca(o). Só acho que todos estivesse fazendo o que eu estou fazendo já estaríamos na rua sem vírus. Ontem mesmo estava vendo o histórico de locomoção do meu google map. Posso contar nos dedos nesses 10 meses quantas vezes sai da minha casa. Evitando até mesmo supermercado. Estou cuidando de pessoas de risco, e sei que isso vai pesar na nossa saúde mental. Porém sei que vai pesar mais não ter eles aqui comigo depois que isso tudo passar. Que Deus nos abençoe e nos proteja. Parabéns pelo texto.

    • Rafael Leick
      2021-01-18 04:31

      É isso, Henrique! Essa desculpa de que “estariam loucos” não passa de desculpa mesmo.
      Você e eu estamos conseguindo, assim como outras pessoas conscientes. Agora, acho desonesto usar isso ou saúde mental como desculpa.
      Também saí poucas vezes e não me arrependo. Vou olhar pra trás e saber que não estava exagerando… 🙂
      Valeu pela visita e pelo comentário. Espero que volte mais vezes ao blog.
      😉

  • Pousada na Ilha Grande
    2021-01-22 11:58

    O Covid afetou a vida de todos

  • Geraldo
    2021-12-14 16:38

    Na verdade, cuidados sempre teremos que ter, até teve um cara (quando a caminhada foi permitida) que me disse que a (suposta) esposa havia deixado de transar. Se foi fato ou não, quando finalmente liberei a “entrada” dele, pareceu “guloso”! No mais, o Covid-19, sempre associei a Super Bactéria, resistente, frente a organismos por décadas “vitimas” da Alopatia em seus efeitos colaterais, que aliás as próprias vacinas contra Covid-19, tem esses efeitos! Finalizo com as palavras de Jesus: “Só procura médico quem precisa”!

    • Rafael Leick
      2021-12-14 20:07

      É um comentário quase poético misturando sexo, com Jesus e uma super bactéria rs

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