23 de abril de 2019

Peça de teatro “A Golondrina” é soco no estômago necessário

No último domingo de Páscoa, 21 de abril, fui assistir a peça A Golondrina, uma peça de teatro que eu senti como um soco no estômago necessário.

Tania Bondezan e Luciano Andrey em "A Golondrina", peça baseada em ataque terrorista homofóbico - Foto: João Caldas Fº

Tania Bondezan e Luciano Andrey em “A Golondrina”, peça baseada em ataque terrorista homofóbico – Foto: João Caldas Fº

Ao chegar ao Teatro Nair Bello, que fica dentro do shopping Frei Caneca, em São Paulo, não tinha ideia do impacto da peça teatral. Quando fui convidado para assistir e dei uma lida no material, minhas expectativas eram de uma peça boa, com bons atores e uma temática LGBT+ permeando levemente a história.

Na prática, vi um texto excelente, denso e forte, com performances viscerais e emocionantes e que me fizeram desidratar e soluçar (eu dizer só “chorar” não faria jus).

 

A Golondrina

Tania Bondezan e Luciano Andrey em "A Golondrina", peça baseada em ataque terrorista homofóbico - Foto: Jairo Goldflus

Tania Bondezan e Luciano Andrey em “A Golondrina”, peça baseada em ataque terrorista homofóbico – Foto: Jairo Goldflus

O texto de “A Golondrina” (espanhol para “A Andorinha”) foi escrito por Guillem Clua e traduzido por Tania Bondezan, que divide belissimamente o palco com Luciano Andrey. A montagem tem direção de Gabriel Fontes Paiva. A peça foi recentemente aclamada na Espanha e em Londres. A andorinha do título está relacionada à música que permeia a trama.

É difícil não falar sobre a peça sem dar spoilers. Quero muito que você vá assistir, mas não quero estragar sua experiência. Mas em resumo, toda a história têm como pano de fundo os ataques homofóbicos à boate gay Pulse, em Orlando, no dia 12 de junho de 2016, próximo à comemoração do Orgulho LGBT+ na cidade. Pelo menos 50 pessoas foram mortas naquela noite e 53 ficaram gravemente feridas.

Para contextualizar, esse incidente foi considerado como o mais mortal tiroteio em massa da história dos Estados Unidos até o tiroteio em Las Vegas em 1º de outubro de 2017. Foi também o mais grave contra as pessoas LGBT+ na história do país e o mais mortífero ataque contra civis estadunidenses desde 11 de setembro de 2001, quando ocorreu o ataque às torres gêmeas em Nova York.

Mas A Golondrina, apesar de mostrar racionalmente o horror de uma tragédia em massa com motivações de ódio, que serve de argumento ao ativismo LGBT+, escolhe um outro caminho, um caminho talvez mais efetivo para que haja conexão entre as partes, o emocional.

Tania Bondezan e Luciano Andrey em "A Golondrina", peça baseada em ataque terrorista homofóbico - Foto: João Caldas Fº

Tania Bondezan e Luciano Andrey em “A Golondrina”, peça baseada em ataque terrorista homofóbico – Foto: João Caldas Fº

Amélia, personagem interpretada por Tania Bondezan, é uma professora de música que perdeu seu filho em um ataque terrorista a uma boate. Ramón é um rapaz gay que estava presente no massacre e a procura para aprender a cantar.

Começando de maneira bem leve, a história vai, aos poucos, te contagiando e prendendo até chegar aos conflitos entre as duas personagens que expõe suas feridas mais profundas relacionadas ao ataque. Até então, eu, como expectador, leria essa sinopse imaginando uma peça boa com história interessante, como mencionei anteriormente. Mas a forma como o enredo é desenvolvido é o que mais me chamou a atenção.

Somos apresentados à visão de ambos e elas começam a ser antagônicas em alguns momentos. Ao fim da peça, conversei com a Tania e ela me contou que, enquanto estava traduzindo o texto, teve o mesmo sentimento que eu tive ao assistir: ouvindo seus argumentos, você dá razão a Ramón e logo em seguida, à Amélia e você acaba percebendo que ninguém tem razão e todo mundo tem. A dor é relativa porque é impossível estar de fato na pele do outro. Mas, conversar, sempre ajuda e transforma.

Tania Bondezan e Luciano Andrey em "A Golondrina", peça baseada em ataque terrorista homofóbico - Foto: João Caldas Fº

Tania Bondezan e Luciano Andrey em “A Golondrina”, peça baseada em ataque terrorista homofóbico – Foto: João Caldas Fº

A peça me tocou, principalmente, nisso. A gente entra em conflitos com pessoas queridas e quando esses atritos vão escalonando, perdemos a empatia e a capacidade de nos colocar no lugar do outro, buscando sempre passar a nossa verdade, sem ter a mínima noção (e, muitas vezes, respeito) pela bagagem que o outro já carrega em sua vida.

Como homem gay, para mim é muito fácil me relacionar com a dor do Ramón. É uma dor compartilhada e, de alguma forma, confortável pra quem já sentiu o mesmo. O dramaturgo espanhol Guillem Clua sabe que na Espanha os direitos LGBT+ já são bastante avançados, mas o ataque à Pulse foi um alarme de que não devemos ter esses avanços como garantidos.

“Eles podem ser arrebatados de nós com muita facilidade, com uma mudança de governo (como aconteceu no Brasil, por exemplo) ou com a ascensão de partidos de extrema direita também na Espanha. A andorinha é uma voz de alarme.”, contou o autor ao Estadão. Isso, para a comunidade LGBT+ não é uma novidade. Nossa luta é diária contra o preconceito.

Mas me dei conta que talvez poucas vezes consegui realmente me conectar com a dor das Amélias que me cercaram. E saí do teatro com a certeza de que essa é uma peça transformadora e que deve ser vista pelo maior número possível de pessoas.

Tania Bondezan e Luciano Andrey em "A Golondrina", peça baseada em ataque terrorista homofóbico - Foto: João Caldas Fº

Tania Bondezan e Luciano Andrey em “A Golondrina”, peça baseada em ataque terrorista homofóbico – Foto: João Caldas Fº

Normalmente, não falo aqui no blog de espetáculos específicos ou de atrações com temporada ou data de validade, mas essa eu não tinha como não registrar.

Se você é LGBT+, vá assistir. Você vai se relacionar com a dor do Ramón e, mais importante do que isso, pode entender melhor a dor da Amélia. Se você tem, em sua vida pessoas que você ama e que gostaria que entendessem melhor a sua dor de Ramón, também leve junto com você pra assistir. Elas se identificarão com sua própria dor de Amélia mas, possivelmente, conseguirão ter mais empatia pela sua.

Eu certamente voltarei para assistir durante essa temporada em São Paulo e já tenho gente em mente para levar comigo.

 

A GOLONDRINA – TEMPORADA SP

Auditório MASP
Endereço: Avenida Paulista, 1578 – Bela Vista – São Paulo
Temporada: de 12 de julho a 8 de setembro de 2019
Dias e horários: 6ª e sáb, 21h; dom, 19h
Duração: 90min
Ingressos: R$ 60 (inteira) e R$30 (meia-entrada)
Classificação: 12 anos
Capacidade: 374 lugares
Informações: pelo Instagram ou pelo telefone (11) 3149-5959

 

>> Acompanhe o Viaja Bi!: InstagramYouTubeFacebook e Twitter.

Hospedagem | Seguro Viagem | Câmbio | Aluguel de carro

Compartilhe:
Tags:

Sobre Rafael Leick

Rafael Leick

Criador dos projetos Viaja Bi!, Viagem Primata e ExploraSampa, host do podcast Casa na Árvore e colunista do UOL. Foi Diretor de Turismo da Câmara LGBT do Brasil. Escreve sobre viagem e turismo desde 2009. Comunicólogo, publicitário, criador de conteúdo e palestrante internacional, morou em Londres e São Paulo e já conheceu 30 países. É pai do Lupin, um golden dog. Todos os posts do Rafael.

  • Website
  • Pinterest
  • Instagram
  • LinkedIn
  • Email

Comentar