23 de setembro de 2018

Esporte e diversidade em Paris durante os Gay Games

Como vocês bem sabem, no começo de agosto, estive na França a convite da Atout France e do Visit Paris Region para conhecer a vibe de esporte aliado à diversidade em Paris, conhecendo o lado LGBT+ da capital francesa e para cobrir os Gay Games, as “Olimpíadas LGBT+”. Já publiquei várias coisas aqui sobre essa viagem, como o histórico dos Gay Games, o quadro de medalhas brasileiras, reviews do hotel 5 estrelas em Paris onde fiquei hospedado e da companhia aérea Aigle Azur, além do relato completo da minha visita à Disneyland Paris, minha primeira vez no mundo do Mickey.

Às margens do Rio Sena, floresce a diversidade em Paris - Foto: Flávio Amaral

Às margens do Rio Sena, floresce a diversidade em Paris – Foto: Flávio Amaral

Mas, eu queria mostrar pra vocês um outro olhar sobre a cidade e o evento, o olhar de alguém que estava dentro dele, como atleta. Então, convidei o jornalista Flávio Amaral, que competiu como atacante do time de futebol gay carioca BeesCats Soccer Boys, para contar pra vocês como foi a experiência dele.

De quebra, ele ainda adiantou algumas das dicas que vão vir mais pra frente no guia gay de Paris que tô montando pra vocês. Já dá pra ir aquecendo. Confere aí!

 

O romantismo de Paris abraça o esporte e a diversidade, por Flávio Amaral

Pense em um dos muitos simbolismos que cercam o imaginário do brasileiro quando se fala de Paris. Se não pudermos dizer que todos procedem, pelo menos 90% são a mais pura verdade e fazem você recordar muito do que já ouviu alguém contar ou do que viu na mídia. Das pontes que cruzam o rio Sena, se vê os cruzeiros que levam turistas encantados com a sequência de monumentos históricos e representativos às suas margens.

Estive na capital francesa em agosto, por ocasião dos Gay Games. Considerado a olimpíada LGBT+, o evento reuniu mais de 10 mil participantes de 91 países diferentes em 36 modalidades esportivas e artísticas. Em meio ao glamour e ao romantismo da “Cidade Luz”, a grande celebração da diversidade ressaltou a multiculturalidade da metrópole, ampliando o potencial agregador de points já conhecidos e badalados.

Esporte e Diversidade em Paris: Museu do Louvre - Foto: Flávio Amaral

Esporte e Diversidade em Paris: Museu do Louvre – Foto: Flávio Amaral

Para quem é chegado a um close, é difícil apontar lugar melhor – e, se houver, são poucos. Mas close não é tudo nessa cidade. Tem arte, cultura e conhecimento histórico em todo canto, desde construções até ilustrações nas paredes de estações do metrô. Músicos de rua fazem a trilha sonora de visitas a pontos turísticos, esculturas decoram a estação próxima ao Louvre. Olhar para o alto durante passeio pelos bairros centrais é certeza de ver prédios históricos, enquanto estilos mais arrojados de arquitetura podem ser encontrados em bairros mais periféricos e em toda Île-de-France, região metropolitana de Paris.

 

Celebrando a diversidade em Paris

Minha jornada começou logo no dia em que cheguei a Paris. Do lado de fora do Stade Jean-Bouin, atletas das mais diversas nacionalidades se reuniam à espera da Cerimônia de Abertura. Um animador convidava os representantes de cada país a subir em um pequeno palco para fazer uma boa bagunça e se apresentar aos demais. Enquanto isso, ao redor do estádio, conterrâneos trocavam experiências, comentavam sobre os primeiros dias em terras francesas e já começavam a trocar pins e outras lembranças.

Esporte e Diversidade em Paris: Stade Jean-Bouin, onde ocorreu a abertura dos Gay Games - Foto: Flávio Amaral

Esporte e Diversidade em Paris: Stade Jean-Bouin, onde ocorreu a abertura dos Gay Games – Foto: Flávio Amaral

Entrar na arena cantando “eu sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor” pode parecer clichê, mas trouxe uma emoção real de representar o Brasil numa competição internacional. Ao desfilar pela passarela montada no gramado da arena com a delegação, a ficha caiu de fato. Éramos mais de 50 brasileiros em meio a milhares de atletas que levavam suas bandeiras à França para lutar por igualdade de direitos no esporte e na sociedade em geral.

A atmosfera nos dias de jogos refletiu a mesma cordialidade, sem deixar de lado o espírito competitivo que faz parte da prática esportiva. Entre uma partida e outra, trocas de sorrisos e abraços que refletiam a alegria do estar-junto vivendo aquela oportunidade, mais gritos de “Brasil!” – por parte de equipes que não estavam em nosso grupo, claro – e um time cada vez mais unido, assim como nas competições nacionais.

Parte da delegação Espírito Brasil na abertura dos Gay Games Paris 2018 no estádio Jean Bounin

Parte da delegação Espírito Brasil na abertura dos Gay Games Paris 2018 no estádio Jean Bounin

A medalha de prata foi sim uma conquista. Entramos em campo com camisas de algumas das equipes da LiGay Nacional de Futebol, mostrando que jogamos também por elas. Representamos todos os times gays brasileiros de futebol. Todo o apoio e energia que recebemos vale ouro! Dourado foi também o sonho de Ricardo Pereira, concretizado ao pedir nosso capitão Douglas Braga em casamento diante do primeiro piscar das luzes da Torre Eiffel na noite anterior à final, sob o pretexto de uma sessão de fotos do BeesCats.

 

Reconhecendo o terreno…

O bairro Le Marais é o point LGBT+ parisiense. Durante a noite, uma caminhada pela Rue des Archives é garantia de encontrar gente dos quatro cantos do mundo – e para todos os gostos. Uma boa opção é fazer aquela “pré” antes de alguma festa pegando um drink no Café Bar Cox e se jogar na animada pista de dança no subsolo do Open Café – do lado de fora, aliás, o beco fica tomado por uma galera animada, o que foi potencializado pelos Gay Games. Prova disso é o fato de, durante uma festa para os atletas de futebol no evento, um parisiense frequentador do local afirmar que nunca havia sentido uma atmosfera tão incrível ali.

Esporte e Diversidade em Paris: Torre Eiffel - Foto: Flávio Amaral

Esporte e Diversidade em Paris: Torre Eiffel – Foto: Flávio Amaral

Os jogos e a vontade de “turistar” não deram oportunidade de conhecer alguma balada. O mais próximo disso de que tomamos conhecimento foi o Raidd Bar, onde o pop dá o tom do ambiente enquanto gogoboys dançam em um chuveiro dentro de uma espécie de aquário, para diversão – e desejo – dos visitantes. Sem falar nos bares e cafés nos quarteirões próximos, tudo isso pertinho da Prefeitura de Paris, o histórico Hôtel de Ville, parada obrigatória de celebridades e chefes de estado durante passagem pela França e que foi palco de eventos históricos locais.

 

Na hora da fome…

É melhor esquecer o arroz com feijão. No quesito alimentação, por sinal, os atletas de nossa equipe passaram maus bocados. No bairro onde ficamos, Bercy, a solução mais prática foi nos contentarmos com sanduíches e saladas, opções práticas e que não doem no bolso, além de fáceis de se encontrar. Há também os locais que oferecem as formules, alternativas em geral compostas de uma entrada, um prato e uma sobremesa. O plat du jour, “prato do dia”, também aparece como opção viável de refeição rápida e completa.

O cardápio já é exibido do lado de fora, o que vale para a grande maioria dos estabelecimentos. Isso torna a escolha muito mais rápida e certeira. Água da casa? Normalmente, nem é preciso pedir. Ela já vem pouco depois de você se sentar, e o mesmo vale para uma cestinha de pães ou pizza branca.

 

Transporte que funciona

Em 10 dias na “Cidade Luz”, não foram poucos os deslocamentos entre o hotel Adagio Paris Bercy Village e o Parc du Tremblay – sede do torneio de futebol –, pontos turísticos e points dos Gay Games, como o Gay Village, localizado no Hôtel de Ville – isso porque sequer foi possível visitar tudo que pretendíamos! O primeiro ponto a se destacar é a comodidade: você não caminha mais de 500m sem chegar a uma estação – sim, acontece de você descer em uma estação, andar dois quarteirões e encontrar outra cuja linha sequer cruza com a anterior. Confuso? Pode parecer, mas nada que você não consiga se acostumar logo nos primeiros dias.

Esporte e Diversidade em Paris: Arco do Triunfo - Foto: Flávio Amaral

Esporte e Diversidade em Paris: Arco do Triunfo – Foto: Flávio Amaral

Posso garantir que usamos boa parte das 14 linhas de metrô – sim, são 14 linhas que interligam os 20 arrondissements (na tradução literal, “vilas”, mas são, na verdade, um tipo de divisão administrativa que engloba pequenos conjuntos de bairros) – e os intervalos entre composições são muito pequenos. Não precisamos esperar mais que 4min para embarcar. A galera do metrô deu o nome na eficiência, que, por sinal, é garantida também pelos trens e pelo RER – espécie de extensão do metrô que liga o centro às demais áreas da Île-de-France.

Não se pode queixar de falta de orientação ao utilizar o transporte público: tem mapa para tudo! Para indicar as estações da linha na qual você está, as referências ou vias em cada saída, as estações onde se pode trocar de linha e até mesmo as linhas de ônibus cujos pontos estão nas proximidades da estação. Com tudo isso, boa notícia para o turista: locomover-se em Paris é uma dor de cabeça a menos!

 

Multiculturalidade parisiense

De fato, fomos à capital francesa para uma espécie de olimpíada, ou seja, o mundo inteiro estaria reunido lá. Mesmo assim, além de observar em locais não dedicados ao evento, confirmamos no dia a dia de bairros centrais e periféricos uma multiculturalidade que faz de Paris uma cidade realmente plural. Pessoas de origens e culturas diversas convivem nos mesmos espaços: europeus, judeus, latinos, indianos, árabes, africanos, muçulmanos.

Nós, brasileiros, nos sentimos acolhidos – muito devido aos sapatos da delegação, cujo verde e amarelo facilitava a tarefa de identificar nossa nacionalidade. Éramos parados por atletas, turistas e cidadãos locais com gritos de “Brasil! Brasil!” misturados a acenos e sorrisos de orelha a orelha. Bastava saberem que nosso esporte nos Gay Games era futebol para entrar no tema Neymar e arriscar palpites sobre nossa campanha, dizendo que esperavam que chegássemos às finais. Parece que a impressão do brasileiro no futebol continua positiva para eles!

Esporte e Diversidade em Paris: Flávio, atacante, e Victor Dubugras, goleiro do BeesCats - Foto: Flávio Amaral

Esporte e Diversidade em Paris: Flávio, atacante, e Victor Dubugras, goleiro do BeesCats – Foto: Flávio Amaral

 

Brazucas em cena

Falando em Brasil, era possível perceber presenças conterrâneas em meio a toda essa diversidade étnico-cultural. No metrô, por exemplo, uma moça ouviu nossa conversa e rapidamente se aproximou: “até que enfim algum brasileiro por aqui!”, ao que se seguiu animada conversa sobre o ritmo da vida em Paris.

Encontramos – dessa vez, não por acaso –, três conterrâneas nossas em uma loja de perfumes de propriedade de chinesas, que nos foi indicada por membros da delegação por vender produtos sem cobrar o valor referente a impostos (no tax). Vivendo em Paris há quatro meses, uma delas disse estar totalmente adaptada à vida na capital francesa. Voltar? Segundo ela, nem pensar! “Deixei minha família e vim sem nenhuma garantia, mas tive sorte de conseguir um emprego rapidamente. Infelizmente, nosso país está uma bagunça, não nos faz querer voltar.”

 

A voz das ruas

No verão, a arte não fica restrita às galerias, museus, cinemas, teatros e afins. A rua também vira palco para artistas que chamam o público para participar e interagir em seus números divertidos e, muitas vezes, provocadores. Foi o que pude ver logo ao lado da Catedral de Notre Dame. A poucos metros da fila de turistas compenetrados em conhecer uma das igrejas mais famosas do mundo, uma pequena aglomeração acompanhava uma espécie de stand-up alvo de muitas lentes de câmeras e celulares.

Esporte e Diversidade em Paris: Flávio pelas ruas parisienses e em frente à Catedral Notre Dame - Foto: Flávio Amaral

Esporte e Diversidade em Paris: Flávio pelas ruas parisienses e em frente à Catedral Notre Dame – Foto: Flávio Amaral

A atmosfera mágica dos arredores da Torre Eiffel também era cenário para um grupo que fazia lotar a escadaria da Place du Trocadéro para dar boas risadas. E quem disse que o horário era problema? Já era perto de 11 da noite quando o público dividia as atenções entre a ansiedade de ver as luzes da torre e o próximo número do show.

 

Inglês salva? Nem sempre…

Saímos do Brasil prontos conscientes de que seríamos olhados de cara feia caso tentássemos falar inglês com franceses. Mas não foi isso que vi. Na verdade, nem todos sabem, assim como acontece por aqui. Mas isso muda nas proximidades de pontos turísticos e em estabelecimentos relacionados ao turismo e em alguns pontos comerciais, onde muitos profissionais compreendem e falam bem inglês.

É possível pedir o cardápio em inglês – afinal, nomes de pratos e ingredientes são algo bem específico até mesmo para quem tem bom nível de inglês, não é? Mas o primeiro susto com o idioma rolou logo na chegada ao aeroporto de Orly, com um taxista que apenas falava francês. Em situações como essa, informar as referências do destino, como a estação de metrô mais próxima, já salva. E nada melhor que a reação de um francês quando vê seu esforço para falar o idioma dele: a simpatia aflora de vez!

 

Já pode voltar?

Paris é uma cidade com energia e dinâmica únicas. Deu até aquela tristeza de voltar, mas, além dos muitos lugares que não conseguimos conhecer devido à rotina dos Gay Games, fica a certeza de que a capital francesa é um prato cheio em termos de história – e histórias –, arte e cultura. É verdade que cada um tem uma experiência própria de cada lugar, mas posso dizer que é também uma cidade que sabe receber seus visitantes.

 

SOBRE O AUTOR CONVIDADO
Flávio AmaralFlávio Amaral
Jornalista esportivo e atacante do BeesCats, trabalhou em rádio, TV, jornal e internet em veículos como TV Globo e LANCE. Idealizador do projeto de capacitação de jornalistas Jogada Ensaiada. Como coordenador de marketing e comunicação, gerenciou conteúdo impresso e digital. É professor-tutor de EAD e escreve sobre Esporte LGBT+ para diversos veículos. Acompanhe no Facebook e Instagram.

 

Valeu pelas dicas e por compartilhar sua experiência, Flávio!

E você, bi? Conhece Paris? Compartilhe sua experiência deixando seu comentário aqui embaixo. 😉

 

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Sobre Rafael Leick

Rafael Leick

Criador dos projetos Viaja Bi!, Viagem Primata e ExploraSampa, host do podcast Casa na Árvore e colunista do UOL. Foi Diretor de Turismo da Câmara LGBT do Brasil. Escreve sobre viagem e turismo desde 2009. Comunicólogo, publicitário, criador de conteúdo e palestrante internacional, morou em Londres e São Paulo e já conheceu 30 países. É pai do Lupin, um golden dog. Todos os posts do Rafael.

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2 Comentários

  • Viajento
    2018-10-02 14:20

    Nunca tinha ouvido falar nesses jogos. Parei para pensar agora e nunca fiz nenhuma viagem voltada especificamente ao público LGBT! Adorei as informações!

    • Rafael Leick
      2018-10-03 01:11

      Eu também nunca tinha ouvido falar até descobrir esses de Paris no ano passado. E foi tão legal… Agora fiquei com vontade de voltar aos Gay Games em 2022 em Hong Kong, mas competindo. Quem sabe eu não volte a treinar natação nesses próximos 4 anos… 🙂 Valeu pela visita! Tem mais alguns posts sobre o Gay Games aqui no blog.

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