Dicas de segurança LGBT+ e o que fazer em caso de violência
O Brasil definiu no último dia 28 de outubro um novo presidente: Jair Bolsonaro. E, a exemplo do 1º turno dessas eleições, aconteceram já na noite da votação, ataques a pessoas LGBT+ por pessoas descompensadas e preconceituosas que se sentiram validadas pelo discurso do presidente eleito e acreditam que algumas pessoas, entre elas, LGBTs, devam ser eliminados. Recebi algumas dicas de segurança LGBT+, vindo de três fontes diferentes.
Todas têm intenção de dar algumas dicas de segurança à população LGBT+, sobre coisas a se prestar atenção no dia a dia para tornar sua existência um pouco mais segura, ainda mais em tempos como os que estamos vivendo.
Disclaimer: Quero reforçar, antes de começar, para já dirimir qualquer dúvida, que esse post não é partidário, ainda mais com os candidatos que nos restaram para esse segundo turno. Independentemente de qual dos dois ganhasse a eleição, o estrago já foi feito e as pessoas que realmente oferecem perigo se sentiram representadas e validadas antes mesmo de Bolsonaro ser eleito. E é nesses eleitores que mora o perigo. Não são todos seus eleitores que são radicais ou agressivos, eles só ajudaram, talvez imaginando fazer o melhor pro país, a que esse discurso se espalhasse e chegasse aos malucos que se sentiram validados.
De qualquer maneira, esse é um blog de viagens para o público LGBT+ essas dicas de segurança LGBT+ valem para qualquer período e para qualquer pessoa que pense em visitar países homofóbicos ou onde a homossexualidade não é bem vinda ou é crime. É uma triste coincidência que o Brasil hoje se encaixe nessa lista, mas ela é atemporal, pois nossa luta não é nova e nem está perto de acabar. Se você está considerando viajar para esses países ou até pelo nosso mesmo, recomendo ler também essas três matérias:
- Gays devem viajar para países homofóbicos?
- Os 20 países mais homofóbicos do mundo
- 4 motivos para casais gays viajarem pra Ásia
Bom, vamos às dicas para se manter o mais seguro possível?
Dicas de segurança LGBT+
SAINDO DE CASA
- Mantenha a bateria do celular sempre carregada.
- Manter consigo documento de identificação (RG, CNH, entre outros).
- Manter contatos emergenciais anotados.
- Comunique seu trajeto a familiares ou amigos, sempre que possível, antes de sair de casa.
- Se possível, use ferramentas como o compartilhamento de localização no WhatsApp ou outros aplicativos para que seus familiares e amigos saibam de sua localização. Eles necessitam de internet móvel e que seja habilitado o acesso à sua localização.
- Sempre que possível, marque encontros com estranhos em local público. Avise para alguém de confiança o local e horário para que a pessoa monitore sua segurança.
- Cuidado ao marcar encontros por aplicativos de relacionamento, há relatos de grupos violentos buscando vítimas e fazendo ameaças, peça para ver as redes sociais da pessoa antes.
- Manter celular bloqueado com senha e apagar qualquer histórico de mensagens que seja sensível.
- Evite que possíveis agressores saibam onde você mora, assim, prefira usar camisas, adesivos, materiais de campanha, quando não estiver chegando ou saindo de casa.
- Em lugares desconhecidos, buscar, junto a fontes confiáveis, recomendações de locais seguros para LGBTs.
NA RUA
- Esteja sempre alerta, observe o ambiente e as pessoas a sua volta. Demonstre estar atento, para intimidar possíveis agressores.
- Ande acompanhado e acompanhe seus amigos, especialmente à noite
- Procure não sair dos lugares sem companhia; se não até a porta de casa, pelo menos no caminho até a condução.
- Procure caminhar rápido e com os sentidos todos alertas.
- Ao caminhar, prefira andar mais próximo ao meio da rua, evite os cantos e lugares mais escuros.
- Evitar permanecer desnecessariamente em lugares abertos.
- Se sentir que alguém o segue, não entre em vias estreitas e/ou pouco iluminadas e, se possível, saia da calçada.
- Se sentir que alguém o segue, tente desviar do seu caminho original e evite entrar em casa; nessas horas é melhor entrar num estabelecimento comercial ou na casa de um vizinho.
- Identifique em seus trajetos cotidianos possíveis pontos de vulnerabilidade.
- Evite beber ou usar qualquer outra substância que te tire do controle, esteja atento a seus limites para que não perca a atenção.
- Se atente a outros LGBTs em espaços públicos para o caso de situações de violência.
- Ter atenção é o fator primordial, não se distraia com músicas ou ligações.
- Evite fone de ouvido com volume extremo, para não se distrair onde tiver aglomeração de pessoas ou em transportes públicos, especialmente se estive só.
- Se identificar uma situação de risco, procure não chamar atenção para si.
TRANSPORTE
- Tente pegar ou oferecer carona.
- Evite ficar só em pontos de ônibus, especialmente à noite. Procure um ponto mais movimentado e iluminado sempre que possível.
- Ao usar ônibus, trens ou metrô esteja alerta, sente-se em locais próximos de outras pessoas, do motorista, do cobrador e, de preferência, próximo a saídas.
- Troque de assento ou de vagão se perceber que alguém está tentando tocar em você ou em seus pertences.
- Procure sentar no corredor, para ter controle de quem senta ao seu lado ou caso precise trocar de lugar.
- Caso vá pegar táxi ou transporte por aplicativo na saída de baladas e fervos, divida com alguém sempre que for possível.
- Caso tenha problema com o motorista de aplicativo em relação à LGBTfobia, denuncie. Uber e 99 fazem campanha a favor da diversidade, lembre-os disso com as denúncias.
- Solicite táxi ou carro particular por aplicativos e antes de sair de onde estiver, evite solicitar carro na rua.
- Se possível, compartilhe seu trajeto pelo próprio aplicativo de transporte, alguns oferecem essa função.
- Dentro do carro, prefira sentar-se atrás do motorista, mantendo-o em seu ângulo de visão.
SITUAÇÕES DE CONFLITO
- Evite entrar em embates ou reagir a provocações, xingamentos e insultos.
- Não inicie brigas.
- Peça ajuda caso sinta insegurança.
- Mantenha a calma e mantenha uma distância segura do agressor
- Caso presencie alguma situação de violência, tente prestar apoio, desde que sua segurança não seja ameaçada, procure alertar outras pessoas ao redor.
- Ajude quem estiver em perigo, mas tente fazê-lo na companhia de uma ou mais pessoas.
- Caso esteja em risco, tente chamar a atenção de outras pessoas.
- Num local público, busque saídas e pontos de fuga em casos de ataques.
- Tente confundir o agressor para evitar a agressão, respondendo coisas desconexas.
- Em alguns casos, ligar a câmera do celular, para registrar o que está acontecendo, também pode ser uma forma de intimidar o agressor.
- Se possível filme ou peça para alguém filmar a situação, facilitando a identificação dos agressores.
- Se for uma opção, recorra aos agentes de segurança do local ou mesmo ligue para a polícia.
- Esteja alerta para objetos no ambiente que possam ser usados como armas eventuais tais como garrafas, copos, guarda-chuvas etc.
- O contato físico deve ser a última opção, esteja atento para objetos comuns (como mochilas, livros e
até um casaco) que podem evitar um golpe ou minimizar o dano que ele possa causar. - Caso passe por alguma situação de violência, assalto, discussão ou briga, procure uma delegacia e faça o registro, sempre!
- Vá à delegacia com alguém de confiança, prefira ir sempre com companhia.
Providências pós-violência
As violências podem ser tipificadas de 4 maneiras diferentes (leia mais aqui):
- Violência ou ameaça física em geral
- Violência sexual
- Violência patrimonial
- Violência ou ameaça verbal/psicológica
A primeira coisa, em caso de violência, é cuidar da integridade pessoal da(s) vítima(s). Feito isso, colete provas.
PROVAS
- Pegue o contato de testemunhas
- Se possível, registre ou peça para alguém registrar a situação com filmagens, fotografias ou gravações de áudio
- Verifique se no local havia câmeras, tanto públicas (de monitoramento de trânsito, da GCM ou da PM) quanto privadas (estabelecimentos comerciais próximos). Em muitos lugares as gravações duram apenas uma semana antes de serem apagadas.
- Se a violência tiver sido praticada por meio virtual, tire um “print” das mensagens, guarde a URL (o link), denuncie na SaferNet e também nas próprias plataformas (seja site, rede social ou aplicativo de relacionamento).
DENÚNCIA
- Vá à delegacia, dando preferência às especializadas (DECRADI / DDM).
- Registre um B.O. da agressão. Indique testemunhas, câmeras e peça ao Delegado para solicitar oficialmente as imagens.
- Peça para ser realizado um exame de corpo de delito. Fale das violências físicas e psicológicas praticadas contra você.
- Registre a denúncia pelo Disque 100 e/ou Ligue 180 (infos abaixo)
ATENDIMENTO JURÍDICO E PSICOSSOCIAL
- Procure os núcleos jurídicos especializados da Defensoria Pública do Estado e a Defensoria Pública da União.
- Busque atendimento da rede de assistência social do município ou coletivos e organizações de psicólogos.
TELEFONES E E-MAILS ÚTEIS
190 | Polícia Militar
192 | SAMU (ambulância)
193 | Bombeiros
100 | Disque Denúncia – Direitos Humanos (24h)
180 | Central de Atendimento à Mulher / Violência Doméstica (24h)
181 | Disque Denúncia – Polícia Civil, Militar e Corpo de Bombeiros (garante anonimato)
188 | Centro de Valorização da Vida (CVV)
233 261 86 | Nudiversis (Defensoria pública)
(21) 2588-1000 | Comissão de Direitos Humanos da OAB (RJ)
denuncia.nucleodiscriminacao@gmail.com | Fórum de Defesa da Democracia (RJ)
(31) 99619-9756 | Plantão especial da Defensoria Pública (BH e região metropolitana)
(31) 3277-4356 | Centro de Referência da Juventude (14 a 29 anos) (BH)
(31) 3277-4128/4227/6908 | Centro de Referência LGBT (BH)
(31) 3270-3235 | Casa de Direitos Humanos e CERNA (Centro de Referência Risoleta Neves de Atendimento (mulheres) (BH)
(31) 3264-2252 | Casa de Referência da Mulher Tina Martins (BH)
(31) 3335-0452 | DECRIN (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerância (BH)
(31) 3295-2009 | Ministério Público – Direitos Humanos e controle da atividade policial (BH)
(31) 3330-8394 | CAO-DH (Centro de apoio operacional do Ministério Público – Direitos Humanos) (BH)
(31) 3217-9700 | Delegacia de Crimes Cibernéticos (BH)
ADVOGADOS E PSICÓLOGOS VOLUNTÁRIOS PARA VÍTIMAS DE PRECONCEITO OU VIOLÊNCIA POLÍTICA
Daniel Rodrigues (advogado/SP) – daniel.rs@adv.oabsp.org.br / (11) 99375-6689
Alexander Rodrigues (psicólogo/Quatá-SP) – inbox no Facebook / (18) 9969-47701
Advogados Populares (advogados/BH) – (31) 97574-9736
Quem deu as dicas de segurança LGBT+
Como falei, recebi ainda na noite de domingo e na segunda, três cartilhas com essas dicas de segurança LGBT+. Todo conteúdo acima foi elaborado por essas entidades mencionadas abaixo. Todos os direitos são delas. Estão publicadas aqui com autorização das mesmas, para que a mensagem seja espalhada. Eu incluí poucos pitacos meus no meio.
A primeira foi da RENOSP-LGBTI (Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTI), que apresenta um lado não truculento e mais colorido das forças de segurança pública. Queria só lembrar que não estou dizendo que toda polícia é violenta. Conheço policiais (héteros e LGBT+) e que procuram sempre servir ao seu verdadeiro propósito de proteger a população e estabelecer a segurança de modo a não abusar do poder ou da força. Mas, infelizmente, isso ainda acontece. São pessoas, como nós, e existem pessoas boas e pessoas ruins. Generalizar é um erro.
A segunda, foi do Piranhas Team, um grupo que promove aulas de defesa pessoal para mulheres e LGBT+ no Rio de Janeiro. Uma iniciativa sensacional e eles não pararam aí. Criaram um grupo de apoio no WhatsApp pós-eleição chamado Reaja, mas o número de mensagens passou de 1.500 em pouquíssimo tempo com diversas ligações sequenciais. Eles não deram conta, cancelaram a conta e estão estudando uma nova maneira de fazer esse atendimento. Veja a explicação aqui.
E a terceira, foi a da ACODE, um grupo independente de ativistas voluntários que prestam apoio jurídico e psicológico a vítimas de violência com motivação política (também no Instagram). O projeto conta com o apoio de diversas organizações e coletivos, como a Conectas Direitos Humanos, a DIVAM – Debates Integrados pela Valorização e Atendimento das Mulheres, a Rede Feminista de Juristas, a All Out e a Casa 1.
A cartilha completa da RENOSP-LGBTI pode ser baixada aqui, a do Piranhas Team, aqui e a da ACODE, aqui. A da ACODE conta com informações, além de prevenção, com dicas de segurança LGBT+ completas no sentido de denúncia e providências a se tomar depois que as situações já aconteceram.
Aplicativos de relacionamento gay
Mais pra cima, tem algumas dicas sobre o uso de aplicativos de relacionamento, caso você queira marcar encontros com alguém. Tome cuidado redobrado, pois já recebi relatos de gente que criou perfis para perseguir e ameaçar gays. Em países homofóbicos, como Egito, por exemplo, há casos relatados de vítimas que marcaram encontros com seus agressores sem saber.
Eu entrei em contato com os dois principais aplicativos em uso no Brasil, Hornet e Grindr, para questionar quais atitudes têm previstas para ajudar nesses casos. O Hornet disse que, infelizmente, ainda não tem nenhuma medida em vista. O Grindr, mais conhecido entre os héteros e portanto mais afetado, informou que ainda não tinham nenhuma ação em execução, mas que os times do Brasil e dos EUA estavam se reunindo para verificar o que poderiam fazer e, assim que tivessem novidade, informariam o Viaja Bi!. Vamos aguardar. Se me enviarem algo, atualizo a notícia.
Enquanto isso, muito cuidado no uso desses e outros aplicativos.
ATUALIZAÇÃO (31/10): Grindr me respondeu com um comunicado que disseram ter enviado a todos os usuários no Brasil. Eu abri o aplicativo e ainda não recebi, mas imagino que, na verdade, ainda vão começar a enviar. A mensagem que me mandaram diz: “Segue um aviso que enviamos aos usuários. Esse foi o posicionamento do APP para a comunidade de usuários brasileira. Se tivermos novidades, te envio.” Segundo o comunicado, “preconceitos, discursos de ódio e ameaças serão rastreados, encaminhados à justiça e banidos imediatamente”. A mensagem segue com algumas dicas para marcar encontros, que já mencionamos mais acima no texto. O comunicado completo está aqui.
Como ajudar?
Se a violência não chegou até você, mas você quer ajudar mesmo assim, foi criada a #NinguémFicaPraTrás, uma campanha de financiamento coletivo para apoiar iniciativas que acolhem pessoas vítimas de violência, intolerância, misoginia, homofobia e racismo.
O valor arrecadado pela primeira meta (R$ 250 mil) vai ser repassado para fortalecer o trabalho incrível de 5 organizações já selecionadas (Casa 1, Coletivo Margarida Alves, AMAC, Casinha e GCASC). Alcançando a segunda meta (R$ 500 mil), o projeto vai selecionar mais 5 organizações. Se chegarem em R$ 1 milhão, abrirão um edital público para apoiar ainda mais organizações por todo o país.
Mais informações aqui.
Essa foi uma dica do Herbet do Canal das Bee que, aliás, produziu esse vídeo forte e inspirador pra esse momento.
Pra quê tudo isso?
Bom, a situação de violência no Brasil já estava complicada nos últimos anos, até por isso, nossa população elegeu Bolsonaro, por suas promessas (vazias, em minha opinião) em relação a esse tema. Por conta do mesmo candidato, pessoas preconceituosas começaram a usar o então candidato e suas palavras como justificativa para cometer crimes, ameaças e perseguições.
Eu torço para que essa matéria caia em desuso o quanto antes e que não precisemos dela no futuro próximo. Mas olhando as dicas, vejo que elas são atemporais para segurança e se eu lembrar de todo meu tempo de vida e olhando para as perspectivas que temos à frente, talvez precisamos nos atentar a ela por bastante tempo. Temos hoje a tecnologia a nosso favor, o que ajuda. Usemos!
Quero agradecer ambos os grupos (RENOSP-LGBT, Piranhas Team e ACODE) por permitirem que eu usasse aqui essas dicas de segurança LGBT+ para que possamos espalhar ainda mais a mensagem e alertar mais pessoas sobre os cuidados que devem ter para minimizar os riscos de violência.
A intenção dessa matéria não é criar alarde ou criar pânico. Mas informar que pequenas alterações na sua rotina podem ajudar que esses riscos sejam menores.
Caso tenha sofrido violência ou ameaça aqui no Brasil ou em qualquer país do mundo, deixe aqui seu comentário (mesmo que sem identificar seu nome) para que todos possam ter conhecimento. As estatísticas importam. Seu e-mail só aparecerá pra mim, não ficará público. E, caso prefira, pode me mandar mensagem por aqui e eu publicarei (se você autorizar) sua história nessa página aqui de modo anônimo.
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