19 de junho de 2018

Copa da Rússia: os LGBT estão seguros?

O mundo todo está bastante animado com a “Copa da Rússia”, a Copa do Mundo de Futebol, organizada pela FIFA, que começou na Rússia na semana passada. Todo mundo em polvorosa e não se fala em outra coisa (a exceção é o grupo LGBT do Viaja Bi! para o Halloween nos EUA, claro). Na TV, só matérias sobre futebol e propagandas vendendo até sofá da Copa, nos portais e jornais a pauta é a mesma, nas redes sociais idem. Até mesmo eu publiquei o calendário dos jogos do Brasil lá no E-Dublin. Tudo muito lindo.

Copa da Rússia 2018: Lei proíbe "propaganda" gay - Foto: Divulgação

Copa da Rússia 2018: Lei proíbe “propaganda” gay – Foto: Divulgação

Mas além de todo circo que é armado a cada 4 anos, essa Copa da Rússia tem algo de especial se pensarmos em seres humanos. A FIFA escolheu que ela acontecesse em um país bastante LGBTfóbico e intolerante, que está entre os 20 países mais homofóbicos do mundo.

 

Posição oficial do Brasil é condescendente

A recomendação na cartilha publicada pelo nosso Itamaraty, aqui no Brasil foi, em outras palavras: “Bichas, manerem na viadagem porque não podemos fazer nada por vocês, boa sorte. Boa Copa! Vai Brasil! #BrasilHexa”. (leia mais na Folha de S.Paulo).

A questão é que eles realmente não podem fazer nada nesse momento, só alertar os desavisados. Mas seria mais interessante eles deixarem bem claro a discordância com esses temas e, mais interessante ainda, seria a FIFA ter um pouquinho mais de vergonha na cara. A próxima Copa do Mundo não será num lugar tão melhor que isso: Qatar!

Um contraposto que mostra a diferente postura do nosso Itamaraty e do seu correlato no Reino Unido é a forma que a informação foi exposta. Segundo a BBC, o relatório emitido pelo comitê de Relações Exteriores do Parlamento britânico diz que o cidadãos LGBT correm um risco significativo da Copa da Rússia por conta da “violência de grupos de justiceiros” e pela “falta de proteção adequada pelo Estado”. E completa dizendo que “a cultura de extrema direita dos grupos de hooligans russos pode colocar torcedores LGBT sob um risco especial de serem alvo de violência”.

Percebe a diferença no tom? Se você é de comunicação, como eu, também enxergará a diferença entre um governo que se preocupa com seus cidadãos e procura demonstrar claramente sua posição e o que temos aqui no Brasil hoje. Triste! 🙁

 

Violência contra torcedores LGBT na Rússia

A Copa da Rússia mal começou e teve ativista britânico preso e ataque a um casal gay francês. Tudo isso no primeiro dia. O ataque deixou um torcedor com uma lesão cerebral e uma fratura na parte superior da mandíbula. Seu companheiro sofreu ferimentos leves. Ambos ainda tiveram celular e dinheiro roubados, segundo o Pink News. Dois caras na faixa dos 20 anos foram detidos por conta do incidente.

Copa da Rússia 2018: O ativista britânico Peter Tatchell foi detido por policial no centro de Moscou enquanto protestava contra abusos aos direitos LGBT na Chechênia - 14/06/2018 - Foto: Glab Garanich/Reuters

Copa da Rússia 2018: O ativista britânico Peter Tatchell foi detido por policial no centro de Moscou enquanto protestava contra abusos aos direitos LGBT na Chechênia – 14/06/2018 – Foto: Glab Garanich/Reuters

Agora só falta escolher aquela #MinhaÚltimaMúsica gostosa pra morrer feliz, como a horrível campanha da rádio Jovem Pan queria, afinal, grupos radicais homofóbicos na Rússia já declararam uma caça aos LGBT para matar. Tá gostoso… mas tem gol!

O Cossack, um bizarro grupo de milícia russo, disse que vai “ajudar” a polícia a patrulhar os estádios para impedir que gays se beijem durante a Copa da Rússia. E essa situação surreal toda é apoiada pelo governo russo e seu babaca mor, Vladimir Putin.

O país tem uma lei “antipropaganda gay”, seja lá o que eles acreditam ser uma propaganda LGBT. Mesmo com esse cenário nada positivo, e bem provável que durante a Copa, com o planeta todo de olho, a questão seja um pouco abrandada, apesar dos pesares.

 

Ações de resistência

A “nada corrupta” FIFA (#sóquenão) disse que permitiria exposição de bandeiras do orgulho LGBT dentro dos estádios e que ações de discriminação seriam proibidas e coibidas.

Mas não têm sido tão fácil quando eles venderam a ideia. Um grupo de torcedores LGBT britânicos (eles novamente🏆) hastearam uma bandeira da Inglaterra estilizada com as cores do arco-íris nessa segunda durante a partida da Inglaterra contra Tunísia. Mas, segundo o Pink News, no acesso ao estádio, eles levaram mais de 15min para passar pela segurança, que checou a bandeira antes de liberar sua entrada.

3 Lions Pride, grupo de torcedores LGBT da Inglaterra hasteiam bandeira com arco-íris durante partida contra a Tunísia na Copa da Rússia - Foto: Reprodução: twitter.com/3Lionspride

3 Lions Pride, grupo de torcedores LGBT da Inglaterra hasteiam bandeira com arco-íris durante partida contra a Tunísia na Copa da Rússia – Foto: Reprodução: twitter.com/3Lionspride

Para ir contra essas regras radicais e retrógradas do país, o projeto The Rainbow Cup foi criado, propondo que as pessoas façam sua manifestação virtual postando fotos da Copa da Rússia no Instagram principalmente, mas trocando as bandeiras pelo emoji da bandeira LGBT, marcando a localização na Rússia e usando a hashtag #RainbowCup, que tem até o momento mais de 2.400 publicações no Instagram.

 

Rússia LGBT

Mas se mesmo com tudo isso, você resolver encarar a Rússia, vale ter uma ideia de como é a vida LGBT lá, né? Não é tão simples de saber e consegui pouca informação, mas há um tempo eu recebi o relato do Marcelo Romano, leitor do Viaja Bi!, sobre sua experiência no país. Em breve publicarei o relato completo dele, mas seguem algumas dicas que ele deu.

Ele trabalhou em navio de cruzeiro e chegando a São Petersburgo, na Rússia, encontrou o Bunker, no centro da cidade, que diz ser o único cruising bar gay na cidade. O mesmo grupo tem também uma Sauna, que também diz, em seu site, ser a única sauna gay em São Petersburgo.

Na rua, Marcelo disse não haver nenhuma identificação, só uma porta de acesso a um porão com uma lâmpada em cima. Ele também contou que o local não aceita dólar, então vá preparado. Como aparentemente esses são realmente os únicos locais na cidade, ele disse estar lotado e ele adorou a experiência. Isso foi em 2009, antes da lei “antipropaganda” então não sabemos como está hoje. Se algum de vocês arriscar, volta aqui pra me contar?

Copa da Rússia: Ativistas protestam em São Petersburgo após lei contra a exibição de símbolos LGBT entrar em vigor em toda a Rússia, no ano de 2013 - Foto: Olga Maltseva - 1.mai.2013/AFP

Copa da Rússia: Ativistas protestam em São Petersburgo após lei contra a exibição de símbolos LGBT entrar em vigor em toda a Rússia, no ano de 2013 – Foto: Olga Maltseva – 1.mai.2013/AFP

 

Legado da Copa da Rússia

E aí fica a pergunta: qual o legado da Copa da Rússia? Como fica a questão para os LGBT que vivem lá e têm que viver às escondidas, como acontecia em países hoje mais avançados há décadas atrás?

Já escrevi no Viaja Bi! sobre a decisão de viajar ou não para países homofóbicos (leia aqui e aqui). É claro que a segurança deve vir em primeiro lugar, mas pensando um pouco mais coletivamente e de modo altruísta (e se não for uma viagem romântica ou de lua de mel), viajar para esses países nada friendly como a Rússia pode ter alguns benefícios para a comunidade LGBT local.

Da mesma maneira que a Rússia talvez abrande um pouco (na base de comparação deles) sua violência durante a Copa, cidades homofóbicas acabam tendo uma tolerância maior ao turista do que à sua população local. Ou seja, “eu até tolero esses viados aqui porque tão me dando dinheiro”.

Pensemos: imagine que você é um homem gay cisgênero ou uma mulher trans e mora distante dos grandes centros urbanos como Moscou. Por exemplo, em Samara, uma das cidades sede da Copa da Rússia que não são tão grandes. Lá, o ambiente é hostil e perigoso para ser quem você é e muitas vezes você se vê sem saída na vida. Mas quando casais LGBT começam a frequentar o circuito turístico, você começa a ter referências de possibilidades. Aos poucos, isso começa a dar força para a comunidade local.

Como viajante LGBT, você pode militar silenciosamente só tentando descobrir empreendimentos focados na comunidade ou de donos LGBT para frequentar. Se descobrir que em Moscou há um café onde a dona é lésbica, prefira esse a qualquer outro café tradicional. É um incentivo àquela dona para continuar. E vai que engata um papo esclarecedor e de descobertas cheios de insights da comunidade local?

Com essas referências, um russo ou uma russa que se sente oprimido começa a ter esperanças maiores e vislumbrar possibilidades de mudança.

Não é um tópico muito fácil, porque viajar é descansar, curtir e relaxar. E não quero pedir pra ninguém arriscar sua vida indo para países onde é crime passível de morte ser LGBT (oficialmente não é o caso da Rússia desde 1993, mas a gente sabe como é na prática). A ideia aqui é usar esse evento num país tão lindo mas tão problemático nas questões de direitos humanos para plantar uma sementinha na cabeça de todo mundo.

Quando você viaja, não é só o destino que vai agregar à sua vida. Você também contribui com o destino e especialmente com a população que faz partes das “minorias”, simplesmente por ser um turista LGBT por lá.

Então, pense sobre o assunto e use esse título com responsabilidade. 😉

Veja também o vídeo que gravei com os meninos do Canal Sorti sobre o assunto.

 

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Sobre Rafael Leick

Rafael Leick

Criador dos projetos Viaja Bi!, Viagem Primata e ExploraSampa, host do podcast Casa na Árvore e colunista do UOL. Foi Diretor de Turismo da Câmara LGBT do Brasil. Escreve sobre viagem e turismo desde 2009. Comunicólogo, publicitário, criador de conteúdo e palestrante internacional, morou em Londres e São Paulo e já conheceu 30 países. É pai do Lupin, um golden dog. Todos os posts do Rafael.

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