Homofobia no 3º dia da Trilha Inca? (3/4) | Mochilão Peru #27
O Mochilão no Peru continua com o 3º dia da Trilha Inca até Machu Picchu, o mais longo deles. Caminhamos cerca de 13h e teve direito a piadinha homofóbica do guia. Como não pude postar de lá, escrevi tudo no meu caderninho e agora estou publicando o relato, espero que gostem.
MOCHILÃO NO PERU – DIA 27 – 11/3 – SEXTA
Andei 13h e ouvi piada homofóbica no 3º dia da Trilha Inca (dia 3 de 4)
Com a perspectiva de entrar em Machu Picchu também hoje e não só amanhã, como estava inicialmente previsto (leia o relato de ontem pra entender), acordamos às 4h, coloquei minhas botas e meias, ainda molhadas, e depois do café saímos ainda no escuro, às 5h30.
O dia hoje foi longo, foram quase 13h de caminhada. A primeira parte da caminhada foi subida. É impressionante quantos degraus temos durante toda a Trilha Inca!
A primeira parada foi no templo Runkuraqay e continuamos a subir para o ponto mais alto do dia, a mais ou menos 3.800m de altitude. Eu ainda subi um pouco mais alto quando paramos lá em cima, no topo de uma rocha, a uns 100m mais alto.
A partir daí a maior parte foi descida. Se você acha que o mais fácil da trilha é subir, pergunte aos seus joelhos e às bolhas nos dedões dos pés como é descer. Ainda mais se forem degraus bem íngremes. Ou ainda como ontem, na chuva.
Descemos até um segundo templo inca, Sayaqmarka, muito lindo pela localização na beirada da montanha, com uma vista formidável. Subimos uma escadinha bem apertada, sem corrimão até o templo, enquanto os guias esperaram lá embaixo. Aproveitamos pra tirar todas as fotos possíveis e imaginárias.
Ao descer de lá, o guia George, fez uma piadinha homofóbica comigo. Ele não sabia que eu era gay, mas é aquele tipo de piadinha tosca que só reforça os preconceitos. Ele perguntou se eu era boiola (ele usou essa palavra mesmo, em português) porque a cor do EVA do meu colchonete era rosa, coisa que eu nem tinha notado até aquele momento. Eu disse que sim e ele perguntou se eu torcia pro São Paulo.
Isso me lembrou de muita gente babaca de quem já tive que ouvir esse tipo de piadinha quando era mais novo. Falei que não, mas que isso era mais uma piada preconceituosa e que perpetua preconceito. Ele preferiu não continuar o papo.
Não me abalei com a piada ou comentários, mas fiquei imaginando uma outra pessoa, que não seja assumida ou não se sinta ainda completamente esclarecida sobre sua sexualidade ou ainda alguém que não tenha tanta segurança de si mesmo e achei extremamente indelicado da parte dele*.
Saindo de lá, passamos sem fazer parada por uma construção inca, Qonchamarka, e por um caminho lindão. Queria ter entrado nessa, mas acho que não paramos por conta do tempo, não sei. 🙁
Paramos num acampamento pra usar o banheiro e tirei fotos com uma lhama (de novo 😛 não guentei). Seguimos caminhando até um acampamento ainda mais alto, que é onde iríamos dormir se escolhêssemos a primeira opção de roteiro pra hoje que comentei ontem, com a mudança de planos. De lá, em teoria, daria pra ver a Montanha Machu Picchu, os picos nevados (entre eles o pico Verônica) e mais outros pontos de interesse, mas estava tudo encoberto. Só vimos um branco sem fim.
Usei só o banheiro lá, no mesmo esquema de ontem, com os dois pés no chão e de cócoras. Depois descemos para outro templo, Phuyupatamarka, e tivemos uma explicação sobre a cruz inca, chamada Chakana, um dos símbolos incas que mais gostei de conhecer e com muitos signifcados.
Não entramos nesse templo também 🙁 o que me deixou um pouco chateado. Mas no fim do dia, vimos que o tempo era realmente curto pra todo o caminho que teríamos que percorrer**.
Continuamos nossa descida por caminhos no meio da floresta. Passamos por túneis e caminhos que pareciam cenários de filme. Fiquei encantado. Hoje conseguimos aproveitar o caminho muito melhor, o dia estava nublado o que garantia proteção ao sol quente, mas também não estava chovendo.
Essa descida levou umas 3h e foi bem puxada. Parece que não chegava nunca. Mas em alguns pedaços, o tempo começou a abrir e pudemos ver as costas da Montanha Machu Picchu, atrás da qual se escondia a citadela objetivo dessa peregrinação. E também a Hidrelétrica, ponto de início pra quem escolhe a maneira mais econômica de ir pra Machu Picchu.
📝 Veja como chegar a Machu Picchu pela Hidrelétrica
Chegamos ao acampamento do almoço, que era o ponto original para o terceiro acampamento antes da mudança de percurso com o tempo já mais aberto e o sol começando a fritar as costas. Foi um momento de alívio pra quase todo mundo ao tirarmos os tênis. As bolhas nos meus dedões aumentaram, mas vamos nessa, né?
De almoço, tínhamos algumas coisas apimentadas e outras com peixe, então não foi meu preferido, mas deu pra matar a sede. Ontem, o George (guia) prometeu encher as nossas garrafas de água já que no caminho hoje não teria onde comprar, então não precisaríamos comprar antes pra garantir. Eu tive sorte de ter já comprado uma garrafa grande, que foi a que enchi. Mas a galera que estava só com uma pequena, ficou com sede e eles não deram mais, o que aborreceu muita gente. Dividi minha água com o pessoal pra não passarem mal.
Depois do almoço, passamos por mais um controle e seguimos caminhando. Fui em segundo lugar e em um passo mais apertado. Antes de chegar à Porta do Sol (Intipunku), o portal de entrada para Machu Picchu pra quem fez a Trilha Inca, tem uma escada mega íngrime com 50 degraus que você sobe quase escalando, apelidada de Gringo’s Killer (Assassina de Gringos). Não é pra menos. Você chega lá em cima morto e tem que recuperar o fôlego antes de continuar.
Mas aí você anda mais um pouco e logo depois avistar o rio Urubamba lá de cima, você tem uma outra vista impressionante da citadela de Machu Picchu. Finalmente! Lembrando que isso normalmente só ocorre no 4º dia da trilha, mas pela mudança de planos que rolou ontem, pudemos ver 2x essa Maravilha do Mundo. É incrível de lindo! Não dá pra cansar de tirar foto. E o tempo estava completamente aberto! \o/
Ficamos ali um tempo, tiramos pencas de fotos e mais fotos e começamos a descida pra chegar bem pertinho da citadela… pra mais fotos! 🙂
A Cristina (EUA) e eu perguntamos quando poderíamos entrar (tínhamos dois ingressos, lembra?) porque já eram 16h15 e lá fecha às 17h. Pra nossa surpresa, o guia George (ele de novo) falou que só entraríamos amanhã. Ficamos putos, porque ele falou que entraríamos hoje também, já que tínhamos pago o ingresso duas vezes. Falamos direto com o guarda e ele falou que teríamos que descer até o controle para entrar.
O George ficou insistindo e ficou uma situação bem desagradável, afinal tínhamos pago! Deixamos nossos colchonetes e bastões de caminhada e descemos quando ele saiu pra fingir que estava falando com o guarda.
Enfim, mesmo com dor de cabeça, entramos em Machu Picchu! Mal podia acreditar que estava ali. Foi por poucos minutos, mas deu pra ter uma ideia da imensidão do complexo arqueológico, maior que todos os outros que vimos, e conseguimos tirar várias fotos lindas. Não havia nuvens cobrindo o lugar. Ficamos bem satisfeitos, mesmo que por pouco tempo. E ainda tiramos mais fotos com lhamas! Vou fazer um álbum só com elas! 😛
Dali, fomos direcionados pra saída, porque às 17h tudo fecha. De onde se pega o ônibus pra Águas Calientes, a Cristina foi ao banheiro e enquanto isso fiz carinho em um cachorrinho carente jogado ali no chão. Em dois na verdade, o segundo era mais filhote e estava com a patinha quebrada com uma tala.
Na entrada do complexo, além do ponto de ônibus, fica um restaurante, café, banheiro (S./ 1 para entrar), lojas de souvenirs e o início da trilha de descida pra quem vai a pé, não pagando os USD 12 do busão. Foi o nosso caso. Quando começamos a descer, o primeiro cachorro que fiz carinho e um outro que estava por perto vieram seguindo a gente por 1h30 até o restaurante onde passaríamos à noite. Eles começaram uma hora a brigar entre si, dei uma chamada neles e eles pararam, ficaram quietinhos e seguiram a gente. 😛 Muito treino com o Lupin. 😛 A descida é pesadinha, principalmente pós 3 dias de trilha, mas vale a pena pra economizar no busão.
Acabando a trilha de descida, bem na entrada dos ônibus, tinha uma “capelinha” católica com uma cruz e a imagem de Jesus. Eu super respeito, mas justo na entrada de Machu Picchu, principal local da cultura inca, que era pagã e com crenças xamânicas? Achei falta de respeito! É como colocar símbolos de Wicca na porta de uma igreja católica. “/ Não saí dessa viagem muito de bem com os católicos por ter tentado destroçar a cultura quechua e templos incas.
Nós 4 (dois humanos e dois cachorros) ainda caminhamos uns 20min até Águas Calientes, seguindo a carretera (estrada). Logo no começo do caminho, vimos dois campings. Sempre bom saber que tem também essa opção de hospedagem pra mochileiros. o/
Chegamos ao restaurante Machu Pisco e pedi um suco de morango que custou S./ 12 😮 e esse deve ter sido um dos sucos mais caros da minha vida. A galera foi de cerveja Cusqueña, a tradicional de Cusco. Às 19h30, o jantar foi servido e estava bem bom.
Depois do jantar, eles juntaram o dinheiro da galera para a gorjeta dos porters e cozinheiro, um dos momentos mais desconfortáveis de todos, porque ficou meio como obrigatório. Eu dei S./ 10, que é o que eu podia dar, visto que amanhã vamos gastar com o ônibus da subida, estou em final de viagem e ainda tenho um dia em Cusco e um dia em Lima pra bancar. O pessoal que podia deu mais.
O Joel (Inglaterra) e o Kaleb (Austrália) ficaram tirando sarro de uma maneira que não foi muito legal. A vida deve ser bem mais fácil quando você ganha em dólares australianos ou em libras, né? Ou foi Cusqueña demais na cabeça… vai saber!
Aí o guia George distribuiu as passagens de trem volta a Ollantaytambo pra amanhã e chamou todo mundo lá fora, junto com os porters e o cozinheiro. Aí apresentou um por um e pediu que nos apresentássemos. O Michael (Alemanha) perguntou o que passou pela minha cabeça: “isso não deveria ter sido feito no primeiro dia?”, mas de acordo com o guia, estava todo mundo “muito ocupado”. Enfim…
Aí veio o momento mais constrangedor de todos. Ele falou pra equipe: “bom, eles [nós, os trilheiros] tem um presente pra vocês”. Aí o Kaleb entregou pro cozinheiro o dinheiro que todo mundo deu e ele iria repartir entre todos. Foi muito constrangedor.
Não porque eles não mereciam, afinal ralaram pra caramba e fizeram um ótimo trabalho, mas porque gorjeta deve ser algo natural e não forçado dessa maneira. Não gostei nem um pouco, mas parece que eles tratam isso como tradição. Uma pena pro turismo no Peru, que só tem a perder com isso.
O guia legal, Raul, foi com a gente até a bilheteria do busão que fica no centro de Águas Calientes pra não pegarmos fila amanhã de manhã. Tem uma escultura de busão em miniatura acima do rio pra identificar a bilheteria, você vai achar fácil o local. 😛 Comprei a passagem de subida pra amanhã (USD 12 ou S./ 41) e uma água no mercado (S./ 2 a de 600ml) antes de voltarmos pro restaurante.
O George falou pra subirmos pro 2º piso e que poderíamos arrumar nossas coisas pra dormir. Acontece que ainda tinham alguns funcionários comendo. Ele não tem muita noção das coisas, eu acho, não é possível! Esperamos o pessoal terminar de comer pra nos ajeitarmos. E estamos todos exaustos pelo dia de hoje, que compilou a caminhada original do 3º e 4º dia da Trilha Inca. Não é pouca coisa! Caminhamos por cerca de 13h ou 14h hoje.
Arrumamos nossos sacos de dormir e alguns foram tomar banho. Eu ainda tinha que escrever esse diário no meu caderno e meus olhos já estão fechando, então deixei pra amanhã, o cansaço venceu minha higiene. Mas ainda tive que aguentar o Kaleb perguntando se o “uailfaiue” (o que eu entendi ser WiFi no sotaque forte dele) estava funcionando bem.
Como não consegui entender o que ele estava perguntando nas três primeiras vezes que ele falou, ele perguntou pro Brent “ele tá brincando, certo?”. E o Brent me traduziu a linguagem dele. E olha que meu inglês é fluente e tô acostumado com os britânicos e escoceses, que não tem o sotaque mais fácil do mundo. Enfim, ou eu tô muito cansado e mal-humorado ou ele tá bêbado ou ainda não é tão gente boa quanto parecia ser na trilha.
E enquanto tô escrevendo, tem um gatinho filhote pulando de um saco de dormir pra outro pra brincar. Parece com a Mel, a gatinha da minha irmã, só que quando era mais novinha. Agora vou dormir que amanhã acordamos cedo (de novo). Às 5h temos que estar reunidos pra sair.
Té amanhã, primatas!
* Como a agência Viajes Cusco me ofereceu desconto na Trilha Inca para que eu pudesse avaliar os serviços deles e divulgar minha experiência com a empresa aqui, voltando da trilha, mandei um e-mail pra eles, contando minhas impressões sobre o guia George, explicando que ele foi o único ponto fora da curva durante toda a experiência. Eles me responderam pedindo desculpas pelos fatos ocorridos, principalmente pelo tratamento sem tato dele ao fazer a piada homofóbica e prometeram punição pra ele. Expliquei que não quero punição, e sim um treinamento para que isso não ocorra com futuros viajantes. Eles prometeram essa capacitação para toda a equipe. Fiquei satisfeito com o atendimento pós-venda deles e com a atenção que dispensaram comigo e ainda recomendo a agência, mesmo com o ocorrido. A ação de uma pessoa não anula toda minha experiência.
** Voltando de viagem, olhando o mapa da Trilha Inca, notei que não passamos por dois sítios arqueológicos marcados no mapa: Intipata e Wiñaywayna. Na verdade, Intipata a gente viu de longe, é tipo o “campo agrícola” de Machu Picchu. Fica do outro lado da Montanha Machu Picchu, ela divide esse sítio arqueológico da citadela, mas não fomos até ele.
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[Post originalmente publicado em 28/03/2016 no Viagem Primata e migrado por seu autor para o Viaja Bi! em 26/11/2018]
1 Comentários
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[…] disso, peguei novamente a trilha a pé que desce pra Águas Calientes. Ontem diz em 1h30 com a Cristina, mas fomos num ritmo mais lento após tantas horas de caminhada. Hoje […]